quinta-feira, 2 de maio de 2019

Uma verdade inconveniente


Por Geraldo Julio*
Com o título acima, Al Gore, ex-vice presidente dos Estados Unidos, acordou o mundo e ganhou o Oscar mostrando o que muitos se recusavam a ver. Aliás, nos 12 anos após o documentário ocorreram insistentes tragédias ambientais que comprovam a verdade revelada por ele. Mesmo assim, muitos ainda teimam em ignorar. Fecham os olhos. A situação do planeta continua a piorar.
Todos os dias os brasileiros que têm algum acesso à informação recebem de forma insistente, e em tom alarmante, a mensagem que o Brasil tem um grande problema. Um déficit bilionário das contas do governo federal (a previsão é de R$ 139 bilhões em 2019). Evidentemente, esse problema precisa ser enfrentado e existem várias alternativas que conjuntamente podem fazer isso.
As despesas com a dívida da União consomem impressionantes (e quase nunca divulgados) R$ 1,4 trilhão por ano. Precisamente 10 vezes o déficit que alarma o país. Executar uma estratégia para reduzir essa despesa ajudaria muito a enfrentar o problema. No entanto, isso mexe com interesses dos muito ricos.
A União, em 2019, deixará de arrecadar R$ 306 bilhões por incentivos e isenções fiscais. Boa parte dessa renúncia de receita não representa estratégia de desenvolvimento econômico e social, mas apenas interesses de grandes grupos econômicos que conseguiram isso na pressão. É claro que reduzir essa renúncia ajudaria a enfrentar o déficit, mas isto também mexe nos interesses dos grandes.
No Brasil existe um grupo de 25 mil milionários ou bilionários com renda média de quase mil salários mínimos (R$ 1 milhão) por mês e patrimônio médio de R$ 50 milhões. Eles são 0,09% da população. Uma taxação pequena geraria uma receita de R$ 40 bilhões por ano. Isso existe em diversos países com menos desigualdade que o nosso. Mas para o Governo o problema é o mesmo, mexeria em interesses dos muito ricos.
Em quase todos os países do mundo (as exceções conhecidas são Brasil e Estônia), quem tem sua renda resultante de lucro de uma empresa paga imposto de renda assim como pagam todos os empregados de carteira assinada da mesma empresa. Aplicando alíquotas brandas teríamos uma receita de R$ 85 bilhões por ano, suficiente para enfrentar boa parte do déficit. Mais uma vez, os interesses alcançados é o dos mais abastados.
É claro que esses são apenas alguns exemplos do que pode ser feito, existem muitas outras opções. Não quero dizer que é simples, mas o que impressiona é que as alternativas acima sequer entraram em discussão, enquanto se trabalha arduamente para dizer ao Brasil que a única solução para o país é a reforma da Previdência.
Economizar na Previdência significa reduzir a renda de quem precisa de aposentadoria. Convenhamos, os assalariados não são privilegiados em relação aos setores citados nas alternativas acima. Além disso, olhando por dentro da proposta os assalariados mais pobres são os mais penalizados.
Como gestor, reconheço que o aumento da longevidade leva a uma necessidade de uma reforma. Se estamos vivendo mais tempo, precisaremos trabalhar por mais tempo.
Mas não consigo concordar que o tal trilhão, insistentemente repetido pelo Governo, deva ser pago só pelos trabalhadores que precisam da Previdência, já que existem muitas outras alternativas para se somar a esse esforço.
Como o Brasil já é o nono país mais desigual do mundo, acredito que aprofundar essa desigualdade não é o caminho mais justo. Empobrecer os pobres não é bom para o país.
Lendo recentemente artigo de Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2008, em sua coluna no The New York Times, publicada pela Folha de São Paulo, identifiquei um trecho que talvez explique um pouco do que está mais uma vez acontecendo no Brasil.
“Grandes riquezas trazem grande poder e distanciamento das preocupações dos cidadãos comuns. O que os muito ricos desejam, eles muitas vezes conseguem; no entanto, o que eles desejam em muitos casos é nocivo para o restante do país.”
A verdade é que existem diversos caminhos para tratar o problema do déficit das contas da União, mas a decisão do governo federal é uma nítida escolha de omitir completamente as alternativas que contrariam interesses dos mais ricos e, através de massiva campanha, convencer a todos que o único caminho é a reforma da previdência. 
A decisão, a proposta de reforma e a campanha massiva são criação de quem representa e defende os interesses dos muito ricos. Não podemos fechar os olhos. A desigualdade será ampliada em nosso país, já tão desigual.
O Brasil merece um debate mais franco sobre essa Verdade, mesmo que ela seja inconveniente para alguns.
*Artigo do prefeito do Recife para o Diário de Pernambuco

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