quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Quem é escravo, segundo Temer?

Vinicius Torres Freire – Folha de S.Paulo
O QUE É TRABALHO escravo? Ficou mais difícil de saber desde que o ministro do Trabalho de Michel Temer baixou portariaque parece emendar o artigo 149 do Código Penal, no qual se define esse horror, em vez de apenas regulamentar sua aplicação. No mínimo, abriu-se a porteira para contestações judiciais.

A portaria foi criticada pela própria secretária Nacional de Direitos Humanos do governo federal, Flávia Piovesan, também presidente da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho recomendaram formalmente a revogação da norma. Advogados ouvidos por este colunista deram interpretações contraditórias sobre seu efeito (se restringe ou não o conceito de trabalho escravo), embora concordem que o governo tomou liberdades com o Código Penal.
A Frente Parlamentar da Agropecuária e setores da indústria da construção civil ficaram felizes com o entendimento que o governo Temer tem a respeito de escravidão. A bancada ruralista é liderada pelo deputado tucano Nilson Leitão. João Doria, prefeito tucano de São Paulo, endossou "plenamente" a posição do confrade e líder ruralista.
No Código Penal está escrito que é crime "reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto."
O que pegou?
Primeiro, a publicação da "lista suja" escravagista, na qual se registra o nome de pessoas e empresas autuadas pelos fiscais (depois de defesa em processo administrativo), que passa a depender de ordem expressa do ministro do Trabalho, ora Ronaldo Nogueira (PTB).
Segundo, a portaria qualifica de modo mais estrito os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante ou de submissão à condição análoga à de escravo.
A redação da norma dá a entender que o crime depende da "privação" do direito de ir e vir, entre outras exigências que reduzem "drasticamente o alcance do conceito de trabalho escravo, ao praticamente limitá-lo às situações de restrição de liberdade e de escolta armada, esvaziando o núcleo elementar de condições degradantes e jornada exaustiva, em direta ofensa ao artigo 149 do Código Penal".
Ao menos um advogado da área diz que a portaria não restringe os casos que podem ser caracterizados como trabalho escravo, mas enumera várias possibilidades, embora observe que a história do "direito de ir e vir" seria mesmo uma excrescência.
Terceiro, o processo apenas pode ir em frente se for registrado boletim de ocorrência policial, o que tiraria a independência dos fiscais. Quarto, o Ministério Público do Trabalho fica fora da discussão dos Termos de Ajuste de Conduta.
O número de trabalhadores libertados de situações análogas à da escravidão foi em média de 2.300 por ano entre 2011 e 2014. Caiu para pouco mais de mil em 2015 e pouco menos de 900 no ano passado. Segundo sindicalistas e militantes, o número de resgates não chegaria à metade disso neste ano, por falta de meios de trabalho. Agora, deve minguar mais,

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