O isolamento de Dirceu da massa carcerária e o regime diferenciado de visitas não são regalias, como noticiado na imprensa, mas uma política carcerária já posta em prática muito antes de seu ingresso na unidade
Recentemente a imprensa noticiou a respeito da diligência da
Comissão de Direitos Humanos e Minorias ao presídio da Papuda,
destacando, de forma equivocada, que a diligência tentava garantir
melhores condições ao ex-ministro José Dirceu, ou que foram encontradas
ali regalias em seu tratamento ou suas instalações.
Inúmeras notícias dão a entender que houve uma grande divergência de
opiniões, em especial entre a minha avaliação e a da minha colega, Mara
Gabrilli, uma grande parceira de lutas que vão muito além da questão
partidária. Temos, em comum, a luta pela inclusão como um norte em
nossos trabalhos. Apenas discordamos pontualmente, o que é natural.
Todos visitamos, juntos, as instalações, e pudemos, ao mesmo tempo,
avaliar as condições.
Fui ali a convite da própria Comissão, para averiguar se o
ex-ministro José Dirceu gozava mesmo de regalias em relação aos demais
presos da unidade denunciadas pela imprensa – denúncias que serviram de
motivo para o STF lhe negar o direito de trabalhar fora da prisão – e
inspecionar as condições gerais da unidade prisional, com ênfase na
situação dos presos paraplégicos e gays e transexuais.
Para cumprir esse objetivo, nós fizemos uma oitiva demorada o com o
diretor da unidade (CIR), com gestores e agentes penitenciários e com o
coordenador geral do sistema carcerário do DF, e, finalmente, uma visita
às celas da unidade, entre elas a de Dirceu.
Houve, entre os parlamentares, divergências em relação às condições
percebidas ali. Enquanto alguns apontaram que a cela tinha um tamanho
maior que a dos demais presos, a situação de insalubridade das
instalações é a mesma para todos eles. Nenhum dos deputados, porém, foi
até ali com o objetivo de medir colchões ou testar as instalações. O
objetivo, sim, foi o de verificar – e denunciar – as condições gerais
daquele presídio. Conhecer, por exemplo, a realidade de presos
cadeirantes, soropositivos, LGBTs, entre outros, para que a
possibilidade de um cumprimento digno da pena esteja disponível a
absolutamente todos, o que é uma responsabilidade e dever do Estado.
Faço, abaixo, um relatório do que vi e ouvi ali. Não é o relatório
oficial desta diligência, mas é uma forma de esclarecer o que foi por
mim percebido naquela visita. Outros deputados também fizeram suas
considerações a respeito, assim como o faço agora.
Segundo os gestores da unidade prisional, é parte da política
carcerária manter uma separação dos apenados cujos crimes tenham
repercutido muito nos meios de comunicação – despertado paixões – dos
demais encarcerados, assim como é parte da mesma política separar os
criminosos sexuais e os policiais criminosos dos outros detentos. O
objetivo é proteger a vida do apenado – já que ele está sob a tutela do
Estado – e ao mesmo tempo a própria massa carcerária (esta de motins e
rebeliões). É parte da política carcerária também criar um regime
diferenciado de visitas para esse tipo de apenado no intuito de evitar
que seus parentes sejam tomados como reféns para negociação em
rebeliões.
Sendo assim, o isolamento de Dirceu da massa carcerária e o regime
diferenciado de visitas não são regalias, como noticiado na imprensa,
mas uma política carcerária já posta em prática muito antes de seu
ingresso na unidade. Ele não tem mais visitas que os demais presos,
apenas as recebe em dia e hora diferentes por uma questão de segurança.
É também parte da política carcerária permitir a visita de advogados a
seus clientes na hora e no dia que eles, os advogados, solicitarem. Se
Dirceu recebe mais visitas de advogados que os demais presos não é
porque isso seja uma "regalia", mas tão somente porque a maior parte da
massa carcerária – em sua quase totalidade pobre, jovem e negra – é
privada do acesso à Justiça e não conta com advogados. A culpa não é de
Dirceu, mas de um sistema excludente e injusto que priva contingentes de
direitos, com o aval de boa parte da sociedade que advoga que, "bandido
bom é bandido morto".
Sendo assim, não se pode dizer que a visita dos advogados de Dirceu
seja uma regalia, quanto menos a feijoada que José Dirceu comeu em um
sábado. Segundo a administração do presídio, o funcionamento, dentro da
unidade, de uma cantina com alimentos, cigarros e material de higiene é
também parte da política carcerária; esses alimentos podem ser comprados
com o dinheiro que os familiares são autorizados a deixar a cada visita
(R$ 125 reais). Aquilo, então, não era uma "regalia", mas tão somente
fruto dessa política.
Todos os presos recebem café com leite no café da amanhã. Já frutas –
exceto as cítricas e com cascas -, só as recebem os presos com dietas
recomendadas pelos médicos e profissionais de saúde que os atendem, como
é o caso de Dirceu.
Os gestores negaram peremptoriamente que Dirceu tenha feito uso de
celular. Sindicância realizada sob fiscalização do Ministério Público
mostrou que a denúncia não procede. Os gestores, entretanto, admitem
que, apesar da rigorosa fiscalização, celulares já foram apreendidos em
celas de outros presos e que os aparelhos entram na unidade prisional
"intocados" nas vaginas e ânus de familiares em dias de visita (segundo
os gestores, o scanner de corpo é eficiente mas não infalível, dado os
tamanhos e as levezas dos novos aparelhos celulares).
Na visita à cela de Dirceu, constamos que a mesma era uma antiga
cantina que foi adaptada como cela para receber os réus do mensalão.
Neste espaço em que cabem oito pessoas, foram colocadas 11. Dirceu
encontrava-se sozinho porque os demais trabalham durante o dia, já que
estão em regime semi-aberto. A cela continha infiltração e estava limpa.
Havia uma tevê pequena. Nenhum dos diligentes testou o chuveiro da
cela, portanto não há como saber se havia, ali, água quente ou não.
Neste ponto, faço uma observação: apesar de todos termos visitados,
juntos, as instalações, a entrada da minha colega, Mara Gabrilli, foi
impossível, já que sua cadeira não passava pela porta, o que é algo
realmente questionável em uma instalação que também precisa atender
cadeirantes (Mas essa posição não impedia Mara de observar a Cela nem de
conversar com Dirceu). Mais abaixo, falo das péssimas situações destes
cadeirantes presenciadas por nós.
Visitamos também outras celas em que haviam mais aparelhos e conforto
(tevê, microondas, sanduicheira e fogão) que a de José Dirceu. De
acordo com os gestores, nem todas as celas dispõem desses bens porque 1)
a maioria dos presos é pobre e seus familiares idem, o que lhes impede
de comprar esses bens; 2) a direção da unidade não pode liberar a
presença desses bens nas celas em que haja presos que possam causar dano
a um colega ou à estrutura da prisão (como botar fogo em colchão ou
queimar a mão de um colega na sanduicheira, por exemplo).
Vistamos, ainda, celas em que há mais presos que a capacidade máxima e
constatamos que presos em cadeiras de rodas nem sempre são contemplados
por uma política diferenciada que leve em conta sua vulnerabilidade e
especificidades (banho de sol em horários diferentes e separação da
massa carcerária para que sua cadeira de rodas não seja tomada para ser
transformada em arma). Na mesma cela em que havia dois cadeirantes –
acompanhados de um preso cuidador, o que é bom e recomendado – havia
também dois com doenças infecto-contagiosas que não foram especificadas.
Um dos cadeirantes é um jovem rapaz mineiro, atingido por um tiro que
o deixou paraplégico durante um assalto. Mesmo não tendo cometido crime
contra a vida, está preso nestas condições degradantes – o que está
muito distante de um cumprimento digno de uma pena e é uma situação que,
em geral, não recebe atenção por parte de nenhum veículo de imprensa.
Constatamos ainda o total despreparo dos gestores e agentes
carcerários para lidar com as vulnerabilidades e especificidades do
contingente de gays e transexuais presos, situação que pode ser mudada
com o apoio dos deputados da Frente LGBT.
Em resumo, constatamos que a unidade, em que pese ser uma das
melhores do país no quesito respeito aos direitos humanos da população
carcerária, ainda tem muito que avançar. A maior parte da massa
carcerária está privada de condições dignas para cumprir a pena devido a
um processo de exclusão e violação de direitos que antecede o ingresso
na prisão.
De forma pessoal, constatei que o senhor José Dirceu não goza de
qualquer das "regalias" apontadas pela imprensa e que serviram de
justificativa para o STF lhe negar o direito a um trabalho fora. O que
espero é que seja feita a justiça de forma honesta e consciente, e que
esta independa das condições do apenado. E, acima de tudo, nós, os
deputados comprometidos com o respeito aos direitos humanos, cobramos
que as cadeias ofereçam um espaço digno para que os presos possam ser
reinseridos à sociedade, ao contrário do senso comum de que as cadeias
devam ser apenas um depósito de seres que um dia foram humanos.(Do blog de Jean Wyllys)
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