'O Vilão' leva procurador a ressuscitar censura prévia
Produção de filme sobre José Dirceu é vigiada de
perto pelo Ministério Público; O Vilão da República não pode ter
"apologia ou culto à personalidade" do ex-ministro e réu da AP 470,
avisa procurador Marinus Marsico à Agência Nacional de Cinema; cineasta
Tata Amaral já tem 20 horas de gravações; fita captou R$ 1,5 milhão pela
Lei Rouanet, de incentivos fiscais; é de se perguntar: se o filme
acabar de arrebentar com a imagem de Dirceu, está liberado?
247 – Mais uma saia justa na vida do ex-ministro
José Dirceu. Agora, do mundo real para as telas dos cinemas, passando
pela Lei Rouanet e o Ministério Público.
O filme O Vilão da República, da cineasta Tata Amaral, está sendo
vigiado de perto pelo procurador Marinus Marsico, que enviou
recomendação à Ancine (Agência Nacional de Cinema) para que não permita
que a obra se torne apologia e culto à personalidade de Dirceu. Na
prática, goste-se do personagem principal da trama ou não, Marsico
estabeleceu uma nova espécie de censura prévia – talvez a pior de todas.
Procura controlar, antes da finalização e durante a realização, a obra
cultural.
Aprovado nos critérios da Lei Rouanet, que transforma investimentos
culturais de empresas em renúncia fiscal, o filme foi autorizado a
captar R$ 1,53 milhão. À medida em que vai se valer de um dinheiro que
deixou de entrar nos cofres do Estado e, portanto, torna-se público, o
filme chamou a atenção do Ministério Público. Ou, melhor dizendo, chamou
a atenção porque tem como personagem central o polêmico José Dirceu. Se
tivesse outro tema, a produção não teria despertado o interesse do
procurador Marsico. Ele próprio admite a fonte do zelo. Trata-se,
afinal, de um político que está vivo, como ele frisou em sua
recomendação à Ancine.
O Vilão ... mostra o período da vida de Dirceu que vai da chefia da
Casa Civil do governo Lula ao julgamento da Ação Penal 470, no Supremo
Tribunal Federal.
No frigir dos ovos, o que o procurador Marsico não quer e um filme a
favor de Dirceu. Seria isso o que ele quer dizer com a recomendação de
que se evite a apologia e o culto à personalidade? Parece que sim.
Porém, qual é a medida universal para se saber quando a fronteira da
imparcialidade que cobra o procurador é quebrada? Um filme nitidamente
contra Dirceu pode? Se for ainda pior, pode mais ainda? Ou, para outros,
quanto mais a favor, melhor?
O que soa mais alto, neste momento, é que o procurador perdeu uma
chance de permanecer anônimo. Se o filme de Tata Amaral – de resto uma
diretora consagrada, com participação em diferentes festivais e público
formado – foi aprovado normalmente para a Lei Rouanet, e seus produtores
foram diligentes o suficiente para fazer a captação dos recursos, qual é
o problema?
O filme que vier será apreciado, criticado e aplaudido – ou não. O
procurador não tem nada a ver com isso. A não se que se reestabeleça a
censura no Brasil.
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