sexta-feira, 14 de junho de 2013

GILMAR MENDES PERDE E GANHA A DEMOCRACIA BRASILEIRA

247 – O ministro Gilmar Mendes, por pouco, não perdeu a linha. Nem mesmo durante a Ação Penal 470, no julgamento de mais longa duração do Supremo Tribunal Federal, se viu Mendes tão enfático – e até mesmo rude e ruidoso – como nesta quinta-feira 13. Depois de proferir na véspera um voto de quase três horas, que tomou toda a primeira parte da sessão do STF, ele não se furtou a interromper votos de colegas para fazer valer seu ponto de vista. Deu espetáculo.
Gilmar Mendes bateu na mesa, elevou a voz, apontou o dedo para os colegas, apelou a Jesus Cristo e, indiretamente, comparou os que divergiram a "Hitler, que não precisou de lei nenhuma, fez tudo por decreto". Ele insistiu, quando ainda não havia maioria contra a sua liminar, que barrou no Senado a tramitação do projeto de lei que regula a criação de novos partidos, no caráter "casuístico" de seu conteúdo. "Essa é uma lei 'anti-Marina Silva', vamos chamar as coisas pelos seus devidos nomes", clamou Gilmar. Mas logo ouviu de colegas que não é dado, ao Poder Judiciário, entrar no mérito de um projeto em tramitação.
"O Judiciário pode muito, mas não pode tudo", observou Ricardo Lewandowski. Antes, abrindo a divergência, Teori Zavaski foi claro, sem alterar a própria voz: "As decisões políticas, no plano da formação da lei, pertencem ao Legislativo, não ao Judiciário", disse.
Ficou claro à maioria dos ministros que a liminar de Gilmar abria o perigoso precedente de determinar o que o Congresso pode e o que não pode votar, antes mesmo de isso acontecer. Foram feitas ressalvas de que, uma vez votado o projeto, os que se considerarem prejudicados poderão recorrer à Corte. Mas que seria "perigoso", como registrou a ministra Rosa Weber, o STF, por antecipação, julgar previamente um projeto. "Esse papel é do Legislativo", confirmou ela.
Durante todo o tempo dos debates, Gilmar Mendes procurou entrar no mérito do projeto de lei, mas sua tese não convenceu. "Não há jurisprudência no Supremo para controle prévio de projeto de lei", lembrou o ministro Marco Aurélio Mello. Até mesmo o presidente Joaquim Barbosa, considerado um defensor do ativismo do Judiciário, marcou posição, antes mesmo de dar seu voto, ao entendimento de Gilmar: "Vivemos num sistema presidencialista com separação de poderes. Num sistema como esse é bizarra a interferência de uma corte numa deliberação do Congresso", disse Barbosa.
Nesse contexto, Gilmar ficou em minoria O Supremo mostrou que é, sim, um risco para a democracia interferir numa tramitação do Legislativo, seja qual for o conteúdo discutido. Abrir esse precedente, agora, seria deixar a porta aberta para novas interferências do Judiciário sobre o Legislativo, provocando um desequilíbrio nefasto para o regime democrático. O STF se tornaria, na direção apontada pela liminar de Gilmar, um poder mais forte que os outros dois. De saída, tiraria do Senado o poder de casa revisora da Câmara dos Deputados. Preliminarmente, ainda, enfraqueceria o Executivo, cuja hora de ser submetido ao mesmo preceito da "intervenção preventiva e repressiva" defendida por Gilmar Mendes fatalmente chegaria.
A partida que o STF jogou, provocado pela liminar de Gilmar Mendes, terá efeitos de longo prazo. Ficou garantida, nitidamente, a separação dos três poderes, um conceito basal da democracia que entrou em risco a partir de um caso específico. Entre tapas na mesa e alteração de voz, democraticamente, "pela beleza do colegiado", com suas divergências, como frisou o ministro Marco Aurélio, Gilmar Mendes perdeu. Quem ganhou foi a democracia brasileira.

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