Os protestos minguaram, talvez porque muita gente não quis marchar
com pregadores do golpe e da violência política mas outros milhares
fizeram o barulho que gera instabilidade política, agora com uma agenda
ainda mais difusa e contraditória. Segundo o Datafolha, a motivação mais
citada pelos manifestantes foi a corrupção. Entretanto, apesar dos
muitos cartazes sobre "petrolão" e Petrobrás, não houve referências às
contas secretas no HSBC da Suíça ou sobre o mega-escândalo de sonegação
revelado pela Operação Zelotes. Deve ser a corrupção seletiva: O cidadão
se revolta com o escândalo que envolve políticos mas não se incomoda
com os casos em que grandes empresas e milionários sonegaram impostos
depositando dinheiro lá fora ou subornando conselheiros do CARF/Receita
Federal para burlar o fisco. Ou alguém viu um cartaz sobre os Zelotes ou
sobre as contas na Suíça? Eu não vi.
A segunda motivação, segundo o Datafolha, foi impeachment de Dilma e o
protesto contra o PT. Não foram os problemas do bolso e do estômago, o
aumento da inflação ou do desemprego, problemas que certamente pouco
afetam a vida da maioria que foi às ruas. Talvez por isso não vi nenhuma
jovem loura, nenhum rapaz bem nutrido ou senhora elegantemente vestida
reclamando do preço do feijão. Mais ainda. Examinando imagens dos
protestos não vi uma só referência àquela que é a maior ameaça aos que
vivem do próprio trabalho, o projeto de terceirização de mão de obra
aprovado pela Câmara. A aprovação do projeto do deputado Sandra Mabel é
coisa do Congresso, da qual o governo não conseguiu se dissociar e
acabará pagando o pato. Se não conseguir barrar a aprovação no Senado,
ainda vai tornar-se o pai desta aberração, embora o PT tenha votado
maciçamente contra e o governo tenha feito suas críticas. Um protesto de
gente que trabalha não podia ser indiferente a um tema que está aí,
ameaçando conquistas e direitos.
Os movimentos que chamaram as manifestações, mesmo rachados,
anunciaram que agora vão mudar de tática, partindo para a pressão sobre o
Congresso. Deviam começar pressionando pela não aprovação do projeto de
terceirização.
Mas, falando nisso, o que irão mesmo pedir a Renan Calheiros e
Eduardo Cunha nesta marcha a Brasília? O impeachment de Dilma, sem que
haja elementos jurídicos para fundamentar o pedido? Renan Santos, líder
do Movimento Brasil Livre, anunciou que uma caravana irá ao Congresso na
sexta-feira "encaminhar a pauta do movimento". Devia começar mudando o
dia. Sexta-feira, mesmo nestes tempos frenéticos de Congresso
hiper-ativo disputando poder com o Executivo, é dia de casa vazia.
Já Rogerio Chequer, do Vem Prá Rua, acusado de ser bancado pelo PSDB,
falou numa aliança de 50 grupos que iriam ao Congresso na quarta em
busca de lideranças dispostas a encaminhar os pleitos dos movimentos. O
PSDB, até agora, não abraçou a bandeira do impeachment. Pelo menos
oficialmente. Ou haverá alguma reivindicação mais viável, além do Fora
Dilma?
Vai ser engraçado ver movimentos que se dizem contra todos os
políticos e partidos pedindo a estes mesmos que violem as regras da
política e tirem Dilma do governo. Estão quase entendendo o óbvio: na
democracia, por piores que sejam os partidos, não há salvação fora da
política. O que precisamos é melhorar o sistema de regras em que ela é
exercida. É de uma boa reforma política, embora isso também não seja
remédio para todos os males.
Educação política
Boa parte dos que protestam não sabe mesmo do que está falando. Assim
como 12% dos defensores do impeachment, segundo o Datafolha, não sabem
que se Dilma for afastada o governo será assumido por Michel Temer.
Desta vez apareceram cartazes pedindo "intervenção militar
constitucional". A Constituição é consequência da luta pela democracia.
Os que a escreveram não pactuaram com a ditadura e o passado, mas com o
futuro e com a liberdade. Não existe tal asneira em nossa Constituição
cidadã. A alma de doutor Ulysses Guimarães deve estar horrorizada com
tal deturpação.
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