domingo, 7 de junho de 2015

“Moro se sente salvador da pátria"

247-Empossado recentemente deputado federal, o advogado e ex-presidente da OAB-RJ Wadih Damous (PT-RJ) deu entrevista exclusiva ao 247, em que teceu duras críticas ao juiz Sérgio Moro, a quem chama de "fanático judicial", e aos procuradores da Operação Lava Jato: "Eles não têm qualquer discernimento quanto à repercussão social de seus atos"; "Em nome do combate à corrupção praticam-se ilegalidades, desrespeitam-se direitos fundamentais", afirma; Damous ainda faz críticas à "contra-reforma política" em curso no Congresso, diz ficar "impressionado" com os parlamentares do PSDB que sobem à tribuna para falar de corrupção e vê Lula eleito em 2018

Leia abaixo partes da entrevista

Quais estão sendo as primeiras impressões do Congresso por um advogado garantista?

Eu percebi que ali quem tem a pauta é Eduardo Cunha [presidente da Câmara], é ele quem tem clareza do que vai ao plenário. E não estou fazendo um elogio não. O que eu vejo lá é um nível político muito rebaixado. As bancadas são eleitas pelo dinheiro. O Dr. Ulisses Guimarães sempre dizia, quando alguém criticava o Congresso: “Você não viu o próximo”. Bom, eu não vi os anteriores, estou vende esse, e estou com uma impressão muito ruim. Acho que essa é a composição mais conservadora e de rebaixado nível político que eu tenho notícia.

O que o senhor quer dizer com “rebaixado nível político”? É falta de preparo intelectual?

Eu não acho que o parlamentar necessariamente tenha que ter conhecimento de ciência política, ou conhecimento especializado nisso ou naquilo. Ele tem que ter discernimento e espírito público para saber o que está fazendo ali, do ponto de vista do interesse público. Cuidar do aperfeiçoamento da legislação, de cumprir aquilo que está previsto na Constituição em relação às atribuições do Congresso Nacional, em particular da Câmara dos Deputados. É neste sentido que eu vejo falta de preparo político. Não é falta de preparo intelectual, de preparo técnico.

Não seria um preparo específico para uma política mais patrimonialista, focada na proteção de certos interesses?
Esse é o Congresso hoje.

Não vejo falta de preparo, eles não estão ali exatamente preparados para isso?
Por esse lado sim. Ali de fato não se tem organicidade, não se tem um projeto. Os debates são sempre na base de quem é corrupto ou quem não é corrupto. Não se discute projeto, não se discute uma visão de país. É assim que eu vejo a Câmara dos Deputados hoje.

É engraçado ver corruptos notórios entre os arautos do combate à corrupção.
Se for pegar a folha corrida, você verá que nenhum deles tem lastro moral para apontar o dedo para outro e dizer que é corrupto.
Eu fico impressionado com os parlamentares do PSDB que sobem à tribuna para falar de corrupção, se esquecendo que a reeleição, que acaba de ser revogada na Câmara, nasceu de um processo de corrupção, de acusação de compra de votos para a reeleição do Fernando Henrique Cardoso. Denúncias que até hoje não foram apuradas. Na época, havia um procurador-geral da República que, coincidentemente ou não, tinha o apelidado de “engavetador geral da República”, chamado Geraldo Brindeiro. Enfim, é isso que eu chamo de rebaixamento do nível político.

As privatizações também não foram devidamente investigadas.
A chamada Privataria. O que se lê a respeito diz que foi um amplo processo de corrupção. E isso é esquecido na hora de se apontar o dedo para os outros.

Ao mesmo tempo, não podemos dizer que o PT, tanto como partido quanto como governo, não participou de certas práticas que são condenáveis.
Olha, o PT... Um dos pilares de fundação do PT foi a visão de que ele era um partido diferente, que não se pautaria pelas práticas dos partidos tradicionais. Sobretudo práticas de corrupção, práticas patrimonialistas. O PT não tinha o direito de, em nome da governabilidade, adotar certas práticas. Não estou dizendo que são práticas de corrupção, isso é algo que tem que ser apurado no devido processo legal, e quem praticou corrupção deve responder nos termos da lei. Mas desde que apurado no devido processo legal, não apurado numa manchete de jornal.
Ainda que se chegue ao final de todas essas histórias, e se chegue à conclusão de que não houve prática de corrupção, ainda assim o PT errou politicamente porque entrou num jogo de barganha, entrou num jogo de negociação, que em nome da governabilidade acabou maculando a imagem do partido, e acabou facilitando o trabalho de seus inimigos no sentido de pregar a pecha de corrupção na testa do partido.
O grande problema é que fica muito difícil apurar, tanto no escândalo chamado mensalão, como agora no escândalo da Petrobras, o que é verdade ou o que é mentira. O que é apuração de fato ou o que é escândalo fabricado. Porque virou um circo midiático de tal monta, de tal magnitude, que mesmo aqueles – e estou me colocando nesse campo –, que têm o mínimo de conhecimento jurídico, o mínimo de conhecimento de como são os processos judiciais, têm dificuldade em distinguir quem é culpado de quem é inocente, quem praticou e quem não praticou corrupção.

A ministra Rosa Weber não disse num voto: “não tenho provas, mas posso te prender”?
Foi um voto preparado pelo juiz Sergio Moro, que era o assessor da ministra Rosa Weber.

Como era exatamente a frase célebre?
“A doutrina jurídica me ensina que eu posso condenar sem provas”. Quando a doutrina jurídica ensina exatamente o contrário, só se pode condenar com provas.

A Globo News parou sua programação regular e ficou a passar horas do julgamento ao vivo.
O Brasil é o único país do mundo em que  um julgamento penal é divulgado ao vivo. Não há essa hipótese em qualquer país do mundo.

De quem foi essa ideia?
Foi o ministro Marco Aurélio, quando estava na interinidade da presidência da República, quem criou o televisionamento direto das sessões do plenário.

Foi parte do jogo de forças políticas entre os três poderes, para fortalecer o STF?
Eu presumo que não. Não estou na mente do ministro Marco Aurélio para saber, mas sempre se acusou o Poder Judiciário de ser pouco transparente, um poder fechado e avesso à publicidade dos seus atos. Presumo que o ministro Marco Aurélio, quando idealizou isso, tivesse pensando em termos democráticos, de dar mais transparência. Coisa que até concordo em partes. Mas uma ação penal não pode ser transmitida, nem ao vivo nem filmada. Acredito que nisso deveríamos imitar outros países, como a Alemanha e a França. São famosas na corte americana aquelas aquarelas feitas por desenhistas autorizados, da casa, é o máximo que pode acontecer. Há países como a Alemanha em que só se divulga o nome de um acusado depois que ele é condenado e da sentença transitada em julgado. Até então os jornais não podem divulgar o nome do acusado. Aqui no Brasil não se preserva ninguém, aqui a regra é o linchamento.

Os vazamentos seletivos da Polícia Federal na Operação Lava Jato constituem crime?
Sim, mas não sei se foi a Polícia Federal, o Ministério Público ou talvez o próprio juiz Sérgio Moro, isso deveria ser investigado.

Investigados por quem?
Se é a Polícia Federal, deveria- se abrir inquérito no Ministério da Justiça para apurar o vazamento. Se for juiz, deve-se ir ao Conselho Nacional de Justiça e abrir investigação. E se for o Ministério Público, a investigação é do Conselho Nacional do Ministério Público.

Eu não vejo pessoas ou entidades lutando por essa investigação, nem o nosso ministro da Justiça.
Acho que alguns desvios de conduta, alguns expedientes que são ilegais, estão se transformando em praxe. O excepcional está se tornando regra. É isso o que está acontecendo no Brasil ultimamente.

A Operação Lava Jato pode estar sendo utilizada pra tentar quebrar a infraestrutura do país? Uma tentativa de paralisar a economia e fragilizar o governo?
Não creio que tanto o juiz Sérgio Moro quanto esses rapazes procuradores tenham projeto de derrubar ou desestabilizar o governo. Se sinceramente for isso, eles não podem ocupar cargo público.
Eu acho apenas que eles não se incomodam, eles não têm qualquer discernimento quanto à repercussão social de seus atos como procurador, como juiz. Não querem saber, eles pensam assim: 'Não tem que acolher acordo de leniência e ponto. Se isso vai causar desemprego, se isso vai causar crise, se isso vai quebrar empresas, dane-se. Eu estou agindo na forma da lei. Essas empresas são organizações criminosas e devem arcar com os ônus disso'. Não creio que seja um programa de derrubar o governo Dilma, ou de desestabilizar o governo a partir do Judiciário ou do Ministério Público. Acho até pior não refletir sobre qual será a repercussão social do que se está fazendo, de não pensar em que forma nós podemos mitigar os danos que essas empresas causaram. Isso é pior que ter má fé em relação à investigação.

Sem acordo de leniência, as empreiteiras serão impedidas de entrar em processos de licitação?
Abrirá espaço pra empresas estrangeiras. Será a desnacionalização de um setor estratégico da economia nacional.

Eles não têm noção disso?
Eles estão se lixando para isso. Mas se tudo fizer parte de um projeto, se a história mostra que era isso, eles têm que sentar no banco dos réus.

De onde veio esse poder dos procuradores?
Todas as constituições pós ditadura, pós regime autoritários, dão uma virada democrática muitas vezes exacerbada. O Ministério Público é um monstro institucional, é o Ministério Público mais poderoso do mundo. E os procuradores ganharam uma autonomia tal que não precisam dar satisfações ao procurador-geral. Esses meninos lá do Paraná fazem o que bem entendem e o Janot assiste.
É preciso uma reforma que retire poderes do Ministério Público, deve-se delimitar os poderes de um procurador, ele tem que prestar satisfação ao procurador-geral. Eles não podem ter essa autonomia exacerbada a ponto de paralisar a economia de um país. É um absurdo, mas isso é em decorrência de uma distorção que está na Constituição de 1988. Não é à toa que o ex-procurador-geral e ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence outro dia desabafou: “Eu ajudei a criar um monstro”, ou seja, o Ministério Público.
Os procuradores, na investigação e abertura de inquérito, eles têm uma autonomia exacerbada, eles podem abrir uma investigação sem consultar ninguém, às vezes sem base nenhuma. O procurador-geral é um cargo político, ele tem que aprovar as investigações.

O senhor concorda com a afirmação de que nunca se investigou tanto a corrupção na história desse país?
Olha, na ditadura, que foi um regime absolutamente corrupto, ao contrário do que alguns imbecis, ou desavisados... Há imbecis que são velhos o suficiente pra saber que quando vão para a rua com cartaz pedindo intervenção militar, a volta à ditadura e etc., estão agindo de má fé porque sabem que havia corrupção na ditadura. Agora a imprensa não podia divulgar porque estava sob censura. O poder judiciário não julgava porque estava manietado, o Ministério Público ou era cúmplice ou também estava manietado. Mas havia corrupção. No governo Fernando Henrique Cardoso havia muita corrupção, no entanto, o Ministério Público não estava aparelhado tecnologicamente, e não havia a disposição de investigar.

O Ministério Público é hoje mais independente com o respeito à indicação da corporação na lista tríplice?
Essa bobagem foi uma invenção do PT. O presidente da República tem que nomear quem ele entender que deva nomear. O chefe do Ministério Público não é sindicalista nem presidente de sindicato. O procurador-geral da República tem atribuições extracorporativas, então essa história de prestigiar a escolha da corporação é uma tolice. E tive a oportunidade de dizer isso ao presidente Lula, disse, com muito respeito, mas disse.

Qual foi a reação?
Ele riu. O presidente Lula é um democrata, e recebe críticas, formuladas respeitosamente, muito bem.

O maior erro dele foi a indicação de Joaquim Barbosa para o STF?
Eu acho que os governos do PT não entendiam ou continuam não entendendo o que é o Poder Judiciário. Os critérios que devem ser obedecidos em primeiro lugar são os que estão na Constituição: notável saber jurídico e reputação ilibada. Ao obedecer esses critérios, a escolha deve ser feita por quem melhor se adéqua ao meu governo. Assim é nos Estados Unidos. Não há lá a possibilidade de um presidente republicano indicar um democrata, e um democrata indicar um republicano. E isso não torna o indicado o indicado, o nomeado, parcial. O presidente Roosevelt tinha o programa do New Deal, com programas sociais e programas de combate ao racismo. A Suprema Corte era um obstáculo. Só que o presidente Roosevelt ficou quatro mandatos, e assim teve a oportunidade de montar uma Suprema Corte de acordo com o programa do partido democrata. Não há nisso crime, e não há nisso desonestidade, e não se pode dizer que esses ministros sejam parciais. Alguém acusa a Suprema Corte americana de ser aparelhada?

Qual seria a reforma política que o senhor defende?
A principal medida é acabar com a dinheirama nas campanhas eleitorais, e acabar com as doações de empresa. Esse seria o primeiro item. E a partir daí é aperfeiçoar os sistemas eleitorais.

O PT acabou de proibir as doações empresariais. Se elas não forem aprovada na reforma política, o partido não vai entrar nas campanhas de 2016 com um caixa muito menor?
Eu acho que essa declaração foi precipitada. Há determinadas coisas que, se você falar apenas para dar satisfação, se não for fruto de planejamento, fruto de uma discussão interna aprofundada, pode te acabar levando a dar um passo político errado.
Poderia ter sido o resultado de um processo de ampla discussão. Deveriam ter aguardado o processo da reforma politica no Congresso Nacional para depois se manifestar.

O senhor recebeu dinheiro de empresas em sua campanha?
Não. Mas se alguma empresa tivesse doado para mim, isso necessariamente configuraria crime? Não? Porque é legal. Hoje em dia é legal empresas doarem para candidatos. Agora isso, tendo em vista toda a nossa história política, tendo em vista esse quadro do Congresso Nacional, isso é desejado? Não. Por isso nós combatemos o financiamento empresarial. Há candidatos que receberam limpamente o dinheiro de empresas. Eu não quis porque eu tinha condições, minha campanha foi sustentada por mim e pela generosidade de colegas advogados.


Reeleição?
Eu votei pelo fim da reeleição. Doutrinariamente eu acho perfeitamente cabível a reeleição. As principais democracias do mundo têm reeleição sem qualquer problema. Mas existe um clamor como esse processo de criminalização da política. Mas nesse tema é o cinismo do PSDB que me chama a atenção. A reeleição foi introduzida pelo PSDB, num processo que já discutimos aqui qual foi, com compra de votos. E agora o PSDB quer capitanear o processo de fim da reeleição?

Seria medo de que Lula fique mais oito anos na presidência?
Acho que não é medo do presidente Lula. Ele já teve dois mandatos, e terá certamente um terceiro em 2018. Até acredito que ele gostaria que existissem novas lideranças no PT, mas às vezes o processo histórico não é como a gente quer que seja. O presidente Lula vai cumprir o seu papel e vai se eleger em 2018. Vai fazer um grande governo novamente e com certeza vai ajudar na criação de novas lideranças no PT.

No Maranhão o governador Flavio Dino (PCdoB) teve que construir uma ampla rede de apoios para tirar a família Sarney do poder. Seu vice é do PSDB, e a militância do PT, embora o partido tenha apoiado formalmente Lobão Filho (PMDB), trabalhou intensamente em sua campanha. Aqui no Rio está se formando uma aliança de esquerda em torno do Marcelo Freixo (Psol). Parte do PT fluminense tem simpatia por essa aliança, enquanto o presidente do PT fluminense, Washington Quaquá, quer fechar com Pedro Paulo (PMDB). Como o senhor se coloca?
Flavio Dino é um querido amigo. No Maranhão, de fato, houve essa concentração de forças, mas era ele quem organizava o agrupamento. O governador Flavio Dino não está a reboque de sua coalizão, ele a comanda. Quem dá as cartas lá não é o PSDB, é o agrupamento político do governador Flavio Dino, há que se marcar isso.
Aqui no Rio acredito que o PT deve pensar em candidatura própria. Pode ser o caso de, mais à frente, afunilar uma outra candidatura progressista de esquerda, que seja o Marcelo Freixo, que seja outro, é caso a se ver. Mas essa parte do PT que critica a aliança com o PMDB quer ficar a reboque de outra?
O PT tem que pensar em candidatura própria. Se isso se mostrar inviável, ou se isso contribuir para a vitória de um candidato conservador, de direita, aí sim pensa-se em apoios e alianças, mesmo que ainda no primeiro turno, ainda tem muita água para rolar. O PT não deve, a princípio, ser uma força satélite de outra candidatura.



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