Se não for conduzido pelo atual governo, o 'ajuste' será feito na base do mais puro e duro neoliberalismo
As crises atraem todo o pensamento para elas, e não para o que, nelas,
mais importa: o seu amanhã, os desdobramentos que persistem,
historicamente, no mau hábito de fugir a todo controle. É o que estamos
vendo, no impeachment sim ou não, no "ajuste" sim ou não. Como se as
crises institucionais desde a morte de Getúlio, e seus desdobramentos
sempre para pior, nada ensinassem para o futuro que são os nossos dias.
Políticos rasos são imediatistas. Logo, os políticos brasileiros só
pensam em sua conveniência imediata. Esta é origem da tese de
impeachment. A "desconstrução" que Aécio não conseguiu fazer na disputa
eleitoral quer, agora, levar a oposição a obtê-la por outro meio. Sem
risco, porque um novo fracasso estaria isentado de qualquer consequência
funesta. A permissividade vigente na política brasileira garante.
Não se dá o mesmo com os movimentos reivindicatórios, tipo Movimento dos
Sem-Terra, o dos Sem-Teto, a CUT, movimentos de professores e
universitários, de funcionários públicos, enfim, aquilo tudo que muitos
chamam de "a esquerda". Ser contrários ao "ajuste" arrochante é óbvio,
para eles. Mas até onde? –eis a dificuldade além do óbvio e do imediato.
O "ajuste" será com Dilma ou será com outro. Será, é ponto pacífico: no
mundo político não se vislumbra segmento algum capaz de se elevar para
impor correções econômicas não arrochantes. A rejeição prática e
absoluta ao "ajuste" de Dilma/Levy confunde-se com o impeachment, ainda
que sem tal intenção. Já é assim, e as manifestações programadas tendem a
dar a esse embaralhamento evidência e força influentes.
Também por isso, mas não sobretudo por isso, Dilma impôs às duras
discussões sobre cortes no Orçamento, contra a quase indiferença na
equipe econômica, certa imunidade de vários programas à tesoura. Como o
Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, assim depois destacados, entre
outros, pelo próprio Levy.
Se não conduzido pelo atual governo, o "ajuste" será no mais puro e duro
neoliberalismo. Caso o governo ficasse com o PMDB, estaria minado por
uma falta de quadros próprios que o obrigaria a sujeitar-se às
exigências direitistas do PSDB. O PMDB de hoje é numeroso e vazio.
Mercantilista e vazio. Amorfo e vazio.
Caso o governo ficasse com o PSDB, por uma eleição precipitada, contaria
com serviços bem pagos do PMDB, como foram os do PFL no governo
precedente dos peessedebistas. Para o "ajuste" de retorno ao Brasil que
começara a deixar-se superar, aos 500 anos de história.
A escolha dos movimentos reivindicatórios é óbvia? Não. É de sua índole e
de sua sobrevivência que combatam o "ajuste" de Dilma. Na concepção de
comando e tática desses movimentos, está sempre a ideia de que as
chamadas lutas sociais e o estrato político-social que comanda o país
são entidades à parte. Cada qual sabe de si e cuida de como enfrentar o
outro. Fora dessa concepção, os movimentos caem na perplexidade
emudecida a que o PT sucumbiu, diante do governo Lula –que em momento
algum foi governo do PT.
Em qualquer destinação da crise, é muito provável o recrudescimento dos
movimentos reivindicatórios organizados. Menos acirrados e duradouros,
em um dos casos, e muito mais nos outros. Com que modos e até que ponto
final, o Brasil está muito mudado para que se se tente imaginar. Sobre
isso basta lembrar que os militares mostram-se muito mais civilizados do
que os civis.
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