terça-feira, 17 de novembro de 2015

Vidas secas

Por: *Doriel Barros
Em 1938, o escritor Graciliano Ramos escreveu o romance Vidas Secas, onde retratava a vida miserável de uma família de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar, de tempos em tempos, para áreas menos castigadas pela seca. Passados 77 anos, ainda vivenciamos fatos que nos fazem lembrar Fabiano, personagem daquela época, que vivia à espera da chuva para aliviar a fome e a miséria. É incrível e inaceitável, em pleno ano de 2015, ainda acompanharmos cenas de pessoas desesperadas nas filas de carros-pipa, e animais morrendo de fome e sede.
Mesmo os movimentos e as Organizações Sociais, a exemplo da Fetape, pautando, há anos, os governos federal e estadual sobre essa situação, inclusive entregando, em 2013, um Documento com Diretrizes para a Convivência com o Semiárido, tem sido dada pouca ou nenhuma importância às reivindicações e propostas apresentadas. Desde que Paulo Câmara assumiu o Governo do Estado, sequer foi aberta uma agenda para o diálogo com essas instituições.
Estamos falando de uma grave crise hídrica, que esta penalizando o nosso povo. Atualmente, 126 municípios estão com decreto de emergência, e, segundo a APAC, os reservatórios estão com apenas 6% da capacidade total.
Há uma falta de visão dos governantes sobre a importância de se levar água às áreas rurais, não apenas para consumo das pessoas, mas para a produção. Estima-se que Pernambuco tenha perdido, nesta grande estiagem, cerca de 800 mil animais. Só para se ter uma idéia, a bacia leiteira perdeu 70% da sua capacidade de produção. Esses problemas atingem diretamente a agricultura familiar, que é a grande responsável pelo abastecimento de carnes e alimentos na maioria das cidades do Estado.
É verdade que, nos últimos anos, conquistas importantes aconteceram na vida das populações do semiárido, especialmente para os trabalhadores e trabalhadoras rurais. O Pronaf, o Garantia Safra, o Bolsa Família, a Aposentadoria Rural promoveram uma revolução importante em relação aos flagelos e às carências daquela época. Pois, mesmo Pernambuco entrando no quinto ano consecutivo de seca, não temos registrado saques aos mercados e feiras livres do Estado e nem pessoas morrendo de fome.
É um grande erro pensar as políticas de recursos hídricos apenas considerando as cidades. Vale, evidentemente, lembrar que há programas federais importantes sendo executados no Estado, como a integração de bacias, as adutoras e o programas de construção de cisternas, que têm e/ou terão um impacto extremante importante para a vida das famílias dessa região. No entanto, esses projetos estão muito lentos, por conta da burocracia, do contingenciamento de recursos e da falta de prioridade, o que tem imposto, mais uma vez, um drama às famílias do Agreste e do Sertão.
É preciso acelerar obras estruturadoras como a transposição do Rio São Francisco e as Adutoras do Agreste e Pajeú, bem como ampliar ações emergenciais, que assegurem a recuperação de poços e o aumento de carros-pipa. Ao invés de os governos ficarem jogando suas responsabilidades uns para os outros, é preciso arregaçar as mangas e agir. Não é possível que as famílias fiquem à mercê do retorno da indústria da seca, para ter uma água digna para beber. Afinal, será que é preciso lembrar aos gestores que o acesso à água é um direito humano?
*Doriel Barros é presidente da Fetape.

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