Texto de Paulo Moreira Leite para o portal 247
Ao registrar em seu livro de
memórias a confissão de que tinha todos os meios para investigar um
esquema de corrupção na direção da Petrobras e não tomou nenhuma
providência a respeito, Fernando Henrique Cardoso prestou um inestimável
serviço ao país.
Embora o caso possivelmente possa ser considerado prescrito, se
tivesse sido descoberto e denunciado durante seu mandato, entre 1995 e
2002, o então presidente poderia ter sido enquadrado no crime de
prevaricação, tipificado no artigo 319 do Código Penal ("Retardar ou
deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra
disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal").
Se fosse um funcionário público comum, uma condenação poderia dar em
pena de prisão, de três meses a um ano, mais multa. Como era presidente
da República, FHC poderia ser alvo de um processo que poderia levar ao
impeachment. Mais fácil que o penoso trabalho de Helio Bicudo e Miguel
Reale Jr. Imaginou?
Para além de eventuais consequências jurídicas, resta a questão política atual.
Informado pelo empresário Benjamin Steinbruch sobre quem comandava o
esquema na maior empresa brasileira, Fernando Henrique nada fez. Isso
permite questionar a credibilidade de quem, no início de 2015, enchia o
peito para falar da Lava Jato. FHC disse no início do ano que era
preciso chegar aos "altos hierarcas" envolvidos nas investigações -- uma
referência a Lula e Dilma.
Mas quando podia fazer sua parte, Fernando Henrique preferiu ficar quieto.
"Por que FHC cruzou os braços?",
perguntei aqui neste espaço, em fevereiro, num texto que debatia o
silêncio tucano sobre uma denúncia de Paulo Francis, em 1996. Agora
sabemos por que.
Conforme O Globo, Fernando Henrique tenta justificar a postura com o
argumento de que pretendia fazer mudanças nas regras da Petrobras e não
queria atrapalhar um debate que julgava necessário. Como se sabe, seu
governo que tomou medidas favoráveis a privatização da exploração do
petróleo, enfrentando uma vigorosa greve de resistência de petroleiros
que não permitiu que fosse até o fim em seus planos. Até tanques do
Exército foram a rua para tentar intimidar os petroleiros.
Mas o argumento não ajuda o ex-presidente.
FHC assinou, no Planalto, o decreto 2745, que eliminou a necessidade
de licitação nos investimentos da Petrobras -- uma porteira aberta para a
formação do clube de empreiteiras que iria dividir as obra da empresa
em conversas entre amigos, sem disputa real.
O decreto 2745 é obra da assessoria jurídica do Planalto no governo
de Fernando Henrique, cujo chefe era Gilmar Mendes, mandado ao Supremo
no último ano de governo tucano. Hoje no TSE, Gilmar foi o ministro que
mandou investigar possíveis ligações entre o esquema da Petrobras e a
campanha de Dilma, abrindo ali uma das estradas da oposição para tentar
chegar ao impeachment de qualquer maneira.
É até gozado, não?
O que se expressou, na atitude de FHC, foi uma moral de ocasião, de
quem desperdiçou uma ótima oportunidade para estimular um debate honesto
sobre a corrupção no Estado brasileiro. Comprova-se, agora, que ele
não só conheceu a situação de perto durante seu governo. Tinha
informações de primeira mão. Também tomou a decisão de não investigar.
É uma postura que, pelo exemplo, só ajuda a desmoralizar -- confesso
que isso não me deixa nem um pouco incomodado -- gravatões tucanos que
estimulavam atitudes fascistas nas diversas CPIs da Petrobras.
Não custa lembrar que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, abriu
seu depoimento na CPI com um power point didático, onde exibia as
quantias que cada partido -- PT e PSDB à frente -- havia recebido de
cada uma das grandes empreiteiras denunciadas na Lava Jato. No mesmo
dia, o líder do PSDB Carlos Sampaio defendeu a extinção legal do PT,
logo depois que um provocador soltou um grupo de ratos na sala de
depoimentos. Vaccari foi preso no dia seguinte pela manhã e encontra-se
detido até hoje.
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