domingo, 5 de abril de 2015

Artigo de opinião: Barrabás, o povo e a crise brasileira

Dom Orvandil
DOM ORVANDIL

Nesta Semana Santa, com sua dimensão política e seus conflitos mais agudos, doloridos, que também se abatem sobre a religião, trato da figura de Barrabás, cujo nome verdadeiro era Jesus Barrabás, contornado por variáveis fundamentais para se entender nossa crise brasileira e o uso que se faz da tal opinião pública – opinião publicada – e o que o povo faz com as “informações” que lhe obrigam a engolir.
Barrabás era parte das peças do império romano, que cruel e opressoramente dominava a Palestina no século I quando Jesus Cristo foi preso, julgado num tribunal eivado de corrupção e viciado pelos interesses manipuladores de Roma.
Depois de condenado numa armação entre a religião judaica representada pelos sacerdotes, pelos teólogos e pelo senado, todos nas mãos da poderosa hegemonia imperial europeia, Jesus levado a Pilatos enfrentou um teatro de horror no qual sua vida, sua missão e a justiça foram jogadas no lixo em troca de Barrabás, que foi solto aos gritos de pseudo pressão de uma plateia rancorosa, atiçada para pedir que o messias fosse crucificado.
Barrabás era seguidor e discípulo de Judas, o Galileu. Judas , que liderava o partido dos sicários, radicalmente opositor do império romano, era acusado de estimular rebelião contra os impostos que Roma cobrava dos países invadidos, foi crucificado quando Jesus era adolescente. Barrabás estava preso acusado de matar um soldado romano no outono anterior. A morte do solado romano possibilitava simpatias aos judeus que se opunham à dominação romana.
Teatralmente num impasse, Pilatos se sentiu pressionado a crucificar Jesus e libertar o prisioneiro Barrabás.
O poder de Roma e dos judeus representados pelo vacilante Pilatos, tremeu diante do Jesus justo, de passado limpo, de comprometimento com o Reino que pregava anunciando justiça para todos, pão para os que tinham fome, consolo para os que choravam, liberdade para os presos, libertação para as mulheres vítimas do machismo e dos preconceitos, proteção às crianças que valiam menos do que os animais vendidos no templo de Jerusalém, que considerava a lepra fruto da miséria, da pobreza e do abandono a que eram submetidos os pobres, chaga curável pelo messianato que encarnava em sua missão.
A massa ensandecida gritava espumando pelos cantos da boca: “crucifica-o! crucifica-o! crucifica-o!”
Sim, o povo sedento de sangue, formado pela multidão que se espremia no pátio do palácio, pediu a morte de Jesus.
Eu sou apaixonado pelo povo, essencialmente construído em torno da alma mais significativa de uma sociedade, que é sua classe trabalhadora. Sempre me coloco ao lado do povo. Aprendi isso com Jesus e com Marx.
Mas foi o povo que pediu ao Estado farsante e imperial, com reforço da religião, para matar Jesus.
Chocante, não é? Como pode o povo errar daquele jeito, mesmo que duas multidões diferentes agissem de modo oposto. Uma há poucos dias gritara para Jesus quando este entrara em Jerusalém: “Bendito o filho da Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor”. A Outra, no pátio de Pilatos, presente e massa de manobra da farsa montada como julgamento, gritou: crucifica, mata, elimina, fora com ele, mete-o na cruz, solta Barrabás e manda o aspirante de rei dos judeus para o extermínio. Nós queremos assistir o seu sangue jorrar!
Isso me lembra de Nelson Mandela quando viu que o povo da África do Sul, sob seu governo, não entendia medidas que tomava para unir uma Nação dilacerada pela apartheid, que a feriu de morte por anos, disse aos líderes do Partido do Congresso Nacional: “o povo nem sempre está certo e também erra. Vocês me elegeram Presidente da África do Sul, deixem-me ser Presidente de vocês e fazer o que é certo”.
O povo que gritou a favor do terror vivenciado por Pilatos e por todo o complexo jogo de interesses, pedindo a morte de Jesus de Nazaré, errou e errou feio!
Quais foram as causas do erro que levou a massa ao delírio hostil contra Jesus?
Marcos, o evangelista, conta: “De manhã, os chefes dos sacerdotes, com os anciãos, os doutores da lei e todo o Sinédrio, prepararam um conselho. Amarraram Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos… E os chefes dos sacerdotes faziam muitas acusações contra Jesus” (Mc 15, 1-3). Mais adiante, Marcos fulmina indicando mais uma causa do erro da multidão: “… os chefes dos sacerdotes atiçaram a multidão para que Pilatos soltasse Barrabás” (15, 11). Mateus conta que “os chefes dos sacerdotes e os anciãos convenceram a multidão para que pedissem Barrabás, e que fizessem Jesus morrer” (Mt 27, 20). E mais: “O povo todo respondeu: que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos” (25).
As explicações indicam que toda a obra de Jesus não fora suficiente para libertar o povo do massacre estrutural sob o qual sempre sofreu.
Os chefes, os líderes, as autoridades, como queiramos denominar o poder ocupado por quem manda e desmanda, manipulou e inventou fatos e notícias para “convencer” o povo.
Primeiro, os donos dos poderes montaram tribunais com provas falsas e inventaram acusações, tudo diante do povo que, confuso e sem referências, ou como diz um professor de matemática, meu aluno de um curso de pós-graduação, o povo estava sem axiomas. Os oradores que se alternaram nas acusações farsantes apresentaram “provas” que tiraram das mangas. Mesmo sem fundamentos, elas impressionaram e emocionaram uma massa irracional e sem axiomas.
Daí ela grita, grita aos prantos pedindo sangue do inocente e justo.
Segundo, mesmo que os oradores sejam “convincentes” e as provas “irrefutáveis” e escandalosas, é preciso pressionar e pressionar com vigor. Para isso, os destacados para se misturar ao povo articularam e confabularam as noticias para construir a lógica de que não tem jeito: ele tem que morrer para que se faça “justiça”.
Adeus à verdade, adeus à justiça, adeus ao amor que o messias empenhara na sua missão. O que importava era salvar os interesses do império e dos seus colaboradores covardes e traidores, que tudo fizeram rendidos para livrar a pele do opressor criminoso!
O planeta gira, a história anda e a humanidade progride. Mas o massacre contra o amor, contra a verdade e a justiça que Jesus ensinou e viveu, continua.
Mais de dois mil anos depois dos acontecimentos de Barrabás, de Jesus, do poder e do povo, hoje no Brasil, vivemos tremenda crise.
Tem-se a impressão de que a farsa se repete e os gritos pela morte ecoam por todos os quadrantes do País.
Os farsantes armam juízos espúrios para estrangular a justiça e a verdade. O povo é forçado a esvaziar-se de axiomas da verdade, a assimilar a farsa e a promover vereditos criminosos e mentirosos.
Os inimigos gritam desde a mídia corrupta: crucifiquem, peçam para crucificar.
Os militantes do azar e do ódio se distribuem, muito bem pagos, para pressionar as multidões e fazê-las acreditar que a única saída é a morte, é a crucificação do amor, da justiça e da verdade.
Porém, a única saída é juntarmo-nos ao povo com coragem e dedicação para desconstruir a onda do inferno que pede sangue. As lutas e os espaços do povo são nossas e não dos fariseus, oportunistas, farsantes e golpistas. O lugar destes é ao lado dos que julgam para enganar, mentir, crucificar e mentir.
É fundamental que os Pedros, que os Joãos, que os Tiagos, que as Marias, que as Madalenas e tantos e tantos ativistas da justiça façamos nosso trabalho na desconstrução da farsa da morte e engrossemos a luta na construção dos espaços e das estruturas de novo mundo possível!
Só assim haverá páscoa: passagem da opressão, da escravidão, da indignidade e do ódio para a libertação do amor, da justiça e da paz. E isso tudo é a melhor das políticas, que integra as pessoas nas comunidades cidadãs!
Só assim haverá páscoa: passagem da opressão, da escravidão, da indignidade e do ódio para a libertação do amor, da justiça e da paz!

  • Dom Orvandil: editor do blog +Cartas e Reflexões Proféticas, idealizador e presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central, Centro Oeste e professor universitário. 

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