Nesta Semana Santa, com sua dimensão política e seus
conflitos mais agudos, doloridos, que também se abatem sobre a religião,
trato da figura de Barrabás, cujo nome verdadeiro era Jesus Barrabás,
contornado por variáveis fundamentais para se entender nossa crise
brasileira e o uso que se faz da tal opinião pública – opinião publicada
– e o que o povo faz com as “informações” que lhe obrigam a engolir.
Barrabás era parte das peças do império romano, que cruel e
opressoramente dominava a Palestina no século I quando Jesus Cristo foi
preso, julgado num tribunal eivado de corrupção e viciado pelos
interesses manipuladores de Roma.
Depois de condenado numa armação entre a religião judaica
representada pelos sacerdotes, pelos teólogos e pelo senado, todos nas
mãos da poderosa hegemonia imperial europeia, Jesus levado a Pilatos
enfrentou um teatro de horror no qual sua vida, sua missão e a justiça
foram jogadas no lixo em troca de Barrabás, que foi solto aos gritos de
pseudo pressão de uma plateia rancorosa, atiçada para pedir que o
messias fosse crucificado.
Barrabás era seguidor e discípulo de Judas, o Galileu.
Judas , que liderava o partido dos sicários, radicalmente opositor do
império romano, era acusado de estimular rebelião contra os impostos que
Roma cobrava dos países invadidos, foi crucificado quando Jesus era
adolescente. Barrabás estava preso acusado de matar um soldado romano no
outono anterior. A morte do solado romano possibilitava simpatias aos
judeus que se opunham à dominação romana.
Teatralmente num impasse, Pilatos se sentiu pressionado a crucificar Jesus e libertar o prisioneiro Barrabás.
O poder de Roma e dos judeus representados pelo vacilante
Pilatos, tremeu diante do Jesus justo, de passado limpo, de
comprometimento com o Reino que pregava anunciando justiça para todos,
pão para os que tinham fome, consolo para os que choravam, liberdade
para os presos, libertação para as mulheres vítimas do machismo e dos
preconceitos, proteção às crianças que valiam menos do que os animais
vendidos no templo de Jerusalém, que considerava a lepra fruto da
miséria, da pobreza e do abandono a que eram submetidos os pobres, chaga
curável pelo messianato que encarnava em sua missão.
A massa ensandecida gritava espumando pelos cantos da boca: “crucifica-o! crucifica-o! crucifica-o!”
Sim, o povo sedento de sangue, formado pela multidão que se espremia no pátio do palácio, pediu a morte de Jesus.
Eu sou apaixonado pelo povo, essencialmente construído em
torno da alma mais significativa de uma sociedade, que é sua classe
trabalhadora. Sempre me coloco ao lado do povo. Aprendi isso com Jesus e
com Marx.
Mas foi o povo que pediu ao Estado farsante e imperial, com reforço da religião, para matar Jesus.
Chocante, não é? Como pode o povo errar daquele jeito,
mesmo que duas multidões diferentes agissem de modo oposto. Uma há
poucos dias gritara para Jesus quando este entrara em Jerusalém:
“Bendito o filho da Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor”. A Outra,
no pátio de Pilatos, presente e massa de manobra da farsa montada como
julgamento, gritou: crucifica, mata, elimina, fora com ele, mete-o na
cruz, solta Barrabás e manda o aspirante de rei dos judeus para o
extermínio. Nós queremos assistir o seu sangue jorrar!
Isso me lembra de Nelson Mandela quando viu que o povo da
África do Sul, sob seu governo, não entendia medidas que tomava para
unir uma Nação dilacerada pela apartheid, que a feriu de morte por anos,
disse aos líderes do Partido do Congresso Nacional: “o povo nem sempre
está certo e também erra. Vocês me elegeram Presidente da África do Sul,
deixem-me ser Presidente de vocês e fazer o que é certo”.
O povo que gritou a favor do terror vivenciado por Pilatos
e por todo o complexo jogo de interesses, pedindo a morte de Jesus de
Nazaré, errou e errou feio!
Quais foram as causas do erro que levou a massa ao delírio hostil contra Jesus?
Marcos, o evangelista, conta: “De manhã, os chefes dos
sacerdotes, com os anciãos, os doutores da lei e todo o Sinédrio,
prepararam um conselho. Amarraram Jesus, o levaram e entregaram a
Pilatos… E os chefes dos sacerdotes faziam muitas acusações contra
Jesus” (Mc 15, 1-3). Mais adiante, Marcos fulmina indicando mais uma
causa do erro da multidão: “… os chefes dos sacerdotes atiçaram a
multidão para que Pilatos soltasse Barrabás” (15, 11). Mateus conta que
“os chefes dos sacerdotes e os anciãos convenceram a multidão para que
pedissem Barrabás, e que fizessem Jesus morrer” (Mt 27, 20). E mais: “O
povo todo respondeu: que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos
filhos” (25).
As explicações indicam que toda a obra de Jesus não fora
suficiente para libertar o povo do massacre estrutural sob o qual sempre
sofreu.
Os chefes, os líderes, as autoridades, como queiramos
denominar o poder ocupado por quem manda e desmanda, manipulou e
inventou fatos e notícias para “convencer” o povo.
Primeiro, os donos dos poderes montaram tribunais com
provas falsas e inventaram acusações, tudo diante do povo que, confuso e
sem referências, ou como diz um professor de matemática, meu aluno de
um curso de pós-graduação, o povo estava sem axiomas. Os oradores que se
alternaram nas acusações farsantes apresentaram “provas” que tiraram
das mangas. Mesmo sem fundamentos, elas impressionaram e emocionaram uma
massa irracional e sem axiomas.
Daí ela grita, grita aos prantos pedindo sangue do inocente e justo.
Segundo, mesmo que os oradores sejam “convincentes” e as
provas “irrefutáveis” e escandalosas, é preciso pressionar e pressionar
com vigor. Para isso, os destacados para se misturar ao povo articularam
e confabularam as noticias para construir a lógica de que não tem
jeito: ele tem que morrer para que se faça “justiça”.
Adeus à verdade, adeus à justiça, adeus ao amor que o
messias empenhara na sua missão. O que importava era salvar os
interesses do império e dos seus colaboradores covardes e traidores, que
tudo fizeram rendidos para livrar a pele do opressor criminoso!
O planeta gira, a história anda e a humanidade progride.
Mas o massacre contra o amor, contra a verdade e a justiça que Jesus
ensinou e viveu, continua.
Mais de dois mil anos depois dos acontecimentos de
Barrabás, de Jesus, do poder e do povo, hoje no Brasil, vivemos tremenda
crise.
Tem-se a impressão de que a farsa se repete e os gritos pela morte ecoam por todos os quadrantes do País.
Os farsantes armam juízos espúrios para estrangular a
justiça e a verdade. O povo é forçado a esvaziar-se de axiomas da
verdade, a assimilar a farsa e a promover vereditos criminosos e
mentirosos.
Os inimigos gritam desde a mídia corrupta: crucifiquem, peçam para crucificar.
Os militantes do azar e do ódio se distribuem, muito bem
pagos, para pressionar as multidões e fazê-las acreditar que a única
saída é a morte, é a crucificação do amor, da justiça e da verdade.
Porém, a única saída é juntarmo-nos ao povo com coragem e
dedicação para desconstruir a onda do inferno que pede sangue. As lutas e
os espaços do povo são nossas e não dos fariseus, oportunistas,
farsantes e golpistas. O lugar destes é ao lado dos que julgam para
enganar, mentir, crucificar e mentir.
É fundamental que os Pedros, que os Joãos, que os Tiagos,
que as Marias, que as Madalenas e tantos e tantos ativistas da justiça
façamos nosso trabalho na desconstrução da farsa da morte e engrossemos a
luta na construção dos espaços e das estruturas de novo mundo possível!
Só assim haverá páscoa: passagem da opressão, da
escravidão, da indignidade e do ódio para a libertação do amor, da
justiça e da paz. E isso tudo é a melhor das políticas, que integra as
pessoas nas comunidades cidadãs!
Só assim haverá páscoa: passagem da opressão, da
escravidão, da indignidade e do ódio para a libertação do amor, da
justiça e da paz!
- Dom Orvandil: editor do blog +Cartas e Reflexões Proféticas, idealizador e presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central, Centro Oeste e professor universitário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário