sábado, 9 de março de 2019

De braço quebrado


Policial quebra parte do braço de Geovani Doratiotto - Reprodução Internet
André Singer - Folha de S.Paulo
Escalada de violência política no Brasil ameaça o direito à livre expressão
O que se discutirá em seguida pode parecer incidente menor quando o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) está prestes a completar um ano sem esclarecimento. Mas a agressão contra um dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) de Atibaia (SP), em que o seu braço foi quebrado numa delegacia, talvez represente bem o momento em que o vigilante da esquina se sente autorizado a usar de maneira arbitrária o recurso à violência de que dispõe.
De acordo com o relato obtido pela Folha (5/3), o advogado Geovani Doratiotto, de 29 anos, portava uma camiseta com a inscrição "Lula livre" em um bloco carnavalesco no domingo passado. Houve provocações e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro teriam resolvido bater no petista. Segundo a namorada da vítima, este levou socos e chutes no olho, na cabeça e nas costelas. A confirmar.
O que teria acontecido a partir daí também precisa ser apurado com o devido cuidado, porém confirmada a versão dos acusadores, em lugar de ser socorrido pelas autoridades policiais, Doratiotto foi algemado por elas. Depois de protestar, acabou imobilizado e teve o úmero fraturado por um policial militar numa delegacia.
Em nota, a PM alegou que foi "necessária a aplicação de técnica de defesa pessoal para imobilizar e conduzir o indivíduo até a referida cela", depois que o delegado pediu ajuda devido a "desacato, desobediência e resistência".
Com efeito, em cena aparentemente filmada pela própria namorada da vítima, observa-se que Doratiotto, um homem alto e corpulento, enfrenta verbalmente em altos brados um agente fardado.
Mas tal atitude, que até onde se enxerga não envolvia qualquer tentativa de agressão física, justifica a violência de quebrar o braço daquele que se decidiu prender? Ou ocorreu abuso da força? Espera-se que a devida investigação o esclareça.
Ninguém é obrigado a concordar com a ideia de que Lula deveria sair da prisão e retomar a atividade eleitoral. No entanto, numa democracia, participar de campanha em apoio a um líder popular é direito inalienável. Espera-se daqueles que portam armas, com a aquiescência implícita de todos nós, a garantia de fazê-lo.
Os tiros sobre a caravana lulista no sul do país, os disparos no acampamento de apoio ao ex-presidente instalado na capital do Paraná, a morte de mestre Moa do Catendê durante o processo eleitoral, sem falar no referido atentado fatal a Marielle, significaram uma escalada de violência política ausente do Brasil até então. Se a maré montante não encontrar barreiras fortes o suficiente, no médio prazo o direito à livre expressão será quebrado como o braço roto no Carnaval.

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