quarta-feira, 12 de julho de 2017

Senado As escuras

Colunista Bernardo Melo Franco na Folha de São Paulo
Antes de se consagrar como escritor, Machado de Assis deu expediente como jornalista no Senado. Repórter do "Diário do Rio de Janeiro", ele cobria os debates de barões e marqueses sobre os rumos do Império. Suas excelências tinham mandato vitalício e não costumavam perder a fleuma na tribuna.
"O público assistia, admirado e silencioso", anotou o bruxo, na crônica "O Velho Senado". "Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e constante", prosseguiu.
Faz tempo que o Senado não lembra a tediosa casa de leis frequentada por Machado. Depois que a capital veio para Brasília, houve até assassinato em plenário. Em 1963, o alagoano Arnon de Mello tentou atirar num desafeto e matou o suplente José Kairala, que nada tinha com a contenda.
Nesta terça, a Casa viveu outro dia de ânimos exaltados —felizmente, sem armas. Cinco senadoras da oposição ocuparam a Mesa Diretora, numa tentativa de barrar a votação da reforma trabalhista. Impedido de assumir a cadeira, o presidente Eunício Oliveira mandou cortar os microfones, a transmissão de TV e até a luz do plenário. As rebeladas passaram seis horas no breu, onde devoraram um almoço trazido em quentinhas.
O piquete nem chegou a ser original. No ano passado, a deputada Luiza Erundina ocupou a presidência da Câmara em protesto contra o notório Eduardo Cunha. Mesmo assim, Eunício descreveu o ato como um perigoso atentado à democracia. "Nem a ditadura ousou ocupar o Senado", esbravejou. O regime dos generais fechou o Congresso e prendeu parlamentares, mas esta é outra história.
Encerrado o motim, as luzes se acenderam e o Senado aprovou a reforma trabalhista, que retalha a CLT. Isso não ocorreu porque o governo Temer ainda tenha alguma força, mas porque a maioria ali representa interesses dos empresários, não dos trabalhadores. É o caso de Eunício, cujas firmas de limpeza, transporte e segurança têm contratos de mais de R$ 700 milhões com a União.

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