segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Debate energético enviesado

Por: *Heitor Scalambrini Costa
A matéria publicada na Revista Caros Amigos (no 232/2016) intitulada “Sob o mito da energia limpa” da jornalista Lillian Primi foi a motivação dos comentários que faço a seguir. Falar em energia nos aproxima de temas correlatos como economia, meio ambiente, tecnologia, modelo de sociedade. Logo, difícil, ou quase impossível encontrar consensos nesta discussão.
Todavia alguns pontos são inquestionáveis, e mesmo assim conceitos são deturpados junto à população. É o caso do uso frequente do termo “energia limpa”. Toda fonte energética ao ser convertida em outra forma produz algum tipo de resíduo, emissão, contaminação, poluição, que afeta o meio ambiente e as pessoas.
Além do que as obras e instalações realizadas para o processo de geração, dentro do modelo de expansão vigente, e mesmo a transmissão da energia, provocam danos, expulsões, privações, prejuízos, destruições de vidas e de bens muitas vezes permanentes e irreversíveis. Portanto é falso e desaconselhável o uso deste termo. Meros interesses econômicos da mídia corporativa, aliada das empresas tentam confundir quando antepõem energia limpa versus energia suja.
Fato é que as chamadas fontes não renováveis – petróleo, gás natural, carvão e minérios radioativos – são as principais responsáveis pelo aquecimento global, pelas emissões que provocam, e consequentemente, pelas mudanças climáticas que ocorrem no planeta. Evidentemente, este efeito é agravado de maneira substancial pelo modo de produção e consumo da atual civilização. E aqui é ressaltado o papel nefasto do petróleo e seus derivados como o inimigo número um do aquecimento global.
Por outro lado, as fontes renováveis de energia – sol, vento, água, biomassa – são as que menos contribuem para as emissões de gases de efeito estufa e, consequentemente, para as mudanças climáticas. Mas aí tem um porém, e que foi muito bem registrado na referida matéria sobre os problemas socioambientais causados pela geração centralizada da energia eólica e, ao que tudo indica, também da energia solar fotovoltaica.
O atual modelo de implantação e expansão destas tecnologias é tão catastrófico do ponto de vista socioambiental, como o do uso das fontes não renováveis. Neste caso, a vantagem comparativa inexiste. É o que ocorre atualmente no Nordeste brasileiro com a devastação do bioma caatinga, e com as mudanças dos modos de vida infligidas às populações que se dedicavam à pesca, coleta de mariscos e agricultura familiar.
Há uma discussão sobre a questão das mega hidroelétricas com a construção das barragens. Alguns gestores públicos, membros da academia, técnicos e grupos empresariais ainda insistem na defesa de grandes e destruidores empreendimentos, onde as desvantagens superam em muito as vantagens. Os deslocamentos de milhares de pessoas acarretam danos irreversíveis a estas populações, conforme constatações históricas. Por outro lado, é consenso que as hidroelétricas também emitem uma considerável quantidade de GEE, principalmente o metano resultante da degradação microbiológica da matéria orgânica existente nos reservatórios.
Todavia, os defensores desta tecnologia, após terem que aceitar esta constatação científica, ainda tentam desqualificar aqueles que são contrários à construção de mega hidroelétricas na região Amazônica, insistindo erroneamente em afirmar que elas são imprescindíveis.
Neste contexto, não se pode esquecer que vivemos em um sistema capitalista, onde o lucro é o objetivo principal. E aí o vale tudo tem imperado. Desde o afrouxamento da legislação ambiental para atender aos interesses econômicos imediatos, a falta de fiscalização sobre tais empreendimentos e os contratos draconiamos de arrendamento da terra. Em nome da maximização do lucro, o meio ambiente e as pessoas acabam sendo prejudicadas, com o estado se omitindo e muitas vezes incentivando práticas não condizentes com os discursos de proteção ambiental e de sustentabilidade.
Logo, os investimentos em fontes renováveis estão orientados pela lógica capitalista, e são tratados como um negócio como outro qualquer, e muito rentável, onde o lucro e a justiça são incompatíveis. É o que tem atraído fundos de pensão de outros países, empresas multinacionais e nacionais, grandes investidores particulares que encontraram no Brasil um filão para os “negócios do vento e do sol”, aliados a uma legislação que muda conforme seus interesses.
Como bem constatamos na história recente do país, o “capitalismo brasileiro” não convive com a democracia, com a justiça ambiental, com os direitos sociais. E é nesta lógica, em um país onde a informação é controlada e manipulada, que os interessses dos grupos empresariais que se dedicam aos negócios da energia prosperam e com altas taxas de exploração. Com a inexistência plena da liberdade de imprensa, discussão junto à sociedade sobre energia para que? Energia para quem? E como produzi-la? Acabam restritas a setores acadêmicos e a poucos grupos sociais.
Verifica-se que, na questão energética, em particular na expansão das fontes renováveis de energia solar-eólica, o estado é o maior gerador de conflitos socioambientais. Contraditoriamente, diante da função que seria de mediar os conflitos de classe, o estado brasileiro tem lado e favorece os grupos empresariais.
Nesta discussão, a segurança energética de um país é assegurada pela diversidade e complementariedade. Ambas não repousam somente no duo eólico-solar, e sim em um mix de tecnologias disponíveis localmente e escolhidas dentro de critérios técnicos e socioambientais para satisfazer às necessidades dos diferentes setores da sociedade.
Parabenizo a jornalista Lillian Primi pela provocação. Lamento que na sua matéria somente alguns interesses foram representados e tiveram voz, em particular técnicos cujas posições são bem conhecidas em prol das mega-hidroelétricas.
  • Heitor Scalambrini é professor aposentado da UFPE.

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