A Constituição do Brasil de 1988 é uma Carta progressista que define
direitos e deveres de um país democrático. Uma das cláusulas pétreas da
democracia é que os poderes são harmônicos e independentes. Passados 28
anos da promulgação da Constituição, o Brasil, hoje, está politicamente
dividido e atravessa um momento de grande questionamento à classe
política. Se houvesse uma pesquisa indagando: "Você é a favor ou contra o
fechamento do Congresso Nacional?", a imensa maioria – não tenho
dúvidas – diria "pode fechar".
É verdade que parte da classe política dá motivos para a negação da
política, para que o ódio à política seja cada dia mais forte. Porém, a
Constituição Federal não permite o fechamento do Congresso. Isso só
ocorre em ditaduras.
É evidente que uma das prerrogativas do Congresso Nacional é elaborar
leis. É fundamental, para a democracia, que a sociedade participe,
diariamente, do debate político e amplie a compreensão de que as leis
precisam estar adequadas ao Estado Democrático de Direito.
No projeto original anticorrupção, assinado por quase três milhões de
brasileiros, é importante esclarecer que ele não é apenas para a classe
política e demais servidores públicos, e sim para todos os brasileiros e
brasileiras. Existiam algumas propostas que atropelavam frontalmente o
artigo 5º da Constituição da República, que trata dos direitos e
garantias individuais e coletivas.
Não é verdade que a Câmara Federal acabou com as propostas do
Ministério Público. A realidade é que algumas das propostas elaboradas,
no projeto anticorrupção, precisavam da adequação constitucional. Foi
isso o que a Câmara fez ao aprovar o projeto de lei (PL 4850/2016) das
dez medidas de combate à corrupção, apresentado pelo Ministério Público,
com as devidas adequações.
As medidas aprovadas tornam mais rigorosas a prevenção e as punições
para os crimes de corrupção, fortalecendo o combate à impunidade,
indistintamente, entre todos os agentes públicos e todos os Poderes da
República. A bem da verdade é preciso deixar claro para todos o que foi
aprovado pela maioria da Câmara dos Deputados.
E para contribuir nesse sentido, relacionamos as principais medidas, a partir do que a Câmara aprovou e seguiu para o Senado:
a) Nós aprovamos "a criminalização do Caixa Dois", uma reivindicação
da sociedade, tornando a prática – a partir de agora – passível de
prisão. O texto aprovado transforma em crime a utilização de Caixa Dois
em campanhas eleitorais. Antes, essa prática não era crime;
b) Aprovamos, também, que a corrupção - ativa e passiva - passa a ser "crime hediondo";
c) Foi aprovada, ainda, a "criminalização da compra de votos", tornando a sua prática passível de pena de prisão de 1 a 4 anos;
d) Aprovamos também a "graduação do aumento da pena" por corrupção de
acordo com o valor desviado. Com o texto aprovado, as penas para desvio
de recursos vão aumentar de 7 a 25 anos de prisão. Ao mesmo tempo, o
projeto de lei aprovado agiliza o trâmite de investigação, na medida em
que dificulta a aplicação de mecanismos que atrasavam o processo;
e) Ao mesmo tempo, o texto aprovado torna crime o "abuso de poder",
uma proteção para todos os cidadãos contra medidas autoritárias ou
equivocadas que possam vir a causar danos irreparáveis. O texto define
como crime e prevê punição para o abuso de autoridade, a arbitrariedade
que for cometida por juiz, promotor ou agente público contra qualquer
cidadão;
Da mesma forma que as medidas aprovadas são fundamentais para a
preservação do Estado de Direito, medidas rejeitadas pela Câmara - e só o
foram por isso - são cruciais também para essa garantia.
E o que foi que a Câmara reprovou?
1) É preciso destacar que a Câmara dos Deputados rejeitou a proposta
de "anistia a crimes de Caixa Dois". Seria a vitória da impunidade, caso
fosse aprovada;
2) Foi rejeitado o "impedimento da prática do habeas corpus", que é
um instrumento judicial protetivo que qualquer cidadão comum pode
impetrar contra a prisão arbitrária e para pedir a liberdade de alguém
preso de maneira ilegal ou injusta. O projeto original extinguia o
habeas corpus, um instrumento de preservação dos direitos individuais e
coletivos, um mecanismo da democracia;
3) A Câmara rejeitou a proposta do "confisco de bens" sem que haja
prova do ilícito. Se tivesse permanecido, ela poderia possibilitar o
confisco de bens de qualquer pessoa antes de sua condenação;
4) É preciso ressaltar, também, que a Câmara rechaçou a proposta do
"reportante do bem", uma figura nefasta que seria criada no ordenamento
jurídico. Seria o pagamento ao "delator" pelo ato da delação, com o uso
do dinheiro da corrupção recuperado. O "delator" poderia ficar com até
30% do que foi desviado;
5) A Câmara rejeitou, ainda, a proposta do "teste de integridade",
que seria uma iniciativa vexatória e humilhante para o servidor público.
Fiscais disfarçados simulariam propostas de suborno para testar a
integridade moral do agente público. Seria a inversão do Direito: provar
a inocência antes da comprovação de crime.
É importante observar que esse pacote de propostas de leis
anticorrupção não é válido só para políticos e servidores públicos, mas
para a toda a sociedade. A Constituição assegura a qualquer pessoa a
presunção da inocência. É o artigo 53º da Constituição. Ninguém poderá
ser condenado até que transitado em julgado. A Câmara quer proteger o
cidadão de abusos dos Poderes.
Tenho certeza que a grande maioria das pessoas, que de forma
democrática foi neste domingo (4) às ruas, sequer se deu ao trabalho de
ler as 10 medidas. Tenho o maior respeito pela opinião pública, mas é
preciso que ela entenda que existe muita gente de bem no Congresso
Nacional, entre as quais, modéstia à parte, eu me incluo. É um grande
equívoco a generalização do ódio à classe política.
*Deputado federal pelo PTdoB e vice-líder da oposição na Câmara dos Deputados.
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