247 - Quem não
se lembra das lindas manifestações iniciadas nas jornadas de junho? O
povo nas ruas disposto a botar pra quebrar e a brigar até por bandeiras
defendidas pelas Organizações Globo, como a PEC 37, que garantia
superpoderes ao Ministério Público. De todos os grupos de mídia, nenhum
fez tanto para estimular aquela onda como a Globo. No Jornal Nacional,
no Bom Dia Brasil, na Globonews, no Fantástico e no Globo Repórter, toda
a máquina de informação dos irmãos Marinho foi mobilizada para manter
elevada a temperatura dos protestos.
Neste fim de semana, porém, em capa
da revista Época, a Globo pede um basta. E na reportagem principal da
revista diz que "Somos todos Santiago". Leia, abaixo, um trecho:
Somos todos Santiago
O rojão que matou o
cinegrafista Santiago Andrade atingiu cada um de nós. É preciso dar um
“basta!” à escalada da intolerância e da violência nas manifestações de
rua
GUILHERME EVELIN E HELIO GUROVITZ, COM RAPHAEL GOMIDE E VINÍCIUS GORCZESKI
Jornalistas são os olhos, ouvidos e
vozes de uma nação. Olhos, ouvidos e vozes que trabalham para todos. É
por meio dos olhos das câmeras que vemos o que acontece em locais
distantes. Por meio dos ouvidos dos microfones que escutamos o que os
outros têm a nos dizer. Por meio das vozes que narram as histórias que
tentamos entender o mundo, compreender nosso tempo, alcançar um
conhecimento modesto sobre o pouco que cabe a cada um de nós saber nesta
vida. Sem olhos, sem ouvidos, sem vozes, restam apenas ignorância,
escuridão, silêncio.
Qualquer ataque à imprensa é um
ataque a esses olhos, ouvidos e vozes. Quem ataca a imprensa ataca
olhos, ouvidos e vozes que trabalham para si próprio, que estendem sua
própria visão, sua própria audição e sua própria voz. Quem ataca a
imprensa não quer apenas cegar o outro – quer também ficar cego. Não
quer apenas ensurdecer o outro – quer também ficar surdo. Não quer
apenas calar o outro – quer também ficar mudo.
Ser os olhos de todos nós era o trabalho do jornalista e cinegrafista Santiago Andrade,
da Rede Bandeirantes de Televisão. Santiago foi atingido com um rojão
na cabeça, enquanto trabalhava na cobertura de protestos contra o
reajuste da tarifa de ônibus, no Rio de Janeiro na quinta-feira, dia 6
de fevereiro. Sua morte na última segunda-feira, dia 10, fez dele a
primeira vítima a morrer num conflito provocado pela espiral de
manifestações que tomaram o país desde as jornadas de junho do ano
passado, quando milhões de brasileiros foram às ruas protestar
inicialmente contra reajustes nas tarifas de ônibus, depois contra
carências de toda sorte.