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segunda-feira, 25 de março de 2013
ALCEU " O APOIO A JOAQUIM ME ENFARTOU"
23 anos após assumir pela primeira e única vez apoio a um candidato, o cantor Alceu Valença, 66 anos, que se recusa a falar de política em entrevistas, rompe o silêncio. Numa longa conversa com O blogueiro Magno Martins, ontem, num hotel em Afogados da Ingazeira, Alceu revelou um segredo de estado: sofreu um infarto com as pressões de fãs e admiradores pelo engajamento na campanha do então candidato a governador de Pernambuco, Joaquim Francisco, em 1990.
”Você não sabe e Pernambuco também, mas tive um infarto por causa disso e nunca mais quis saber de política. Picharam minha casa, me vaiaram em shows, ligavam para minha casa me chamando de traidor. Chegaram a fazer uma fogueira dos meus discos na Sé, em Olinda. Mas quando me vaiavam, eu dizia: “Perdoa a eles, Deus, porque eles não sabem o que fazem”, desabafou.
Depois disso, Alceu nunca mais falou de política. Mas provocado pelo repórter, o cantor fez elogios a Eduardo Campos (PSB), a quem considera “o maior governador de todos os tempos em Pernambuco” e está apostando no seu projeto presidencial, embora se considere um fã de carteirinha de Lula e Dilma.
Alceu está acabando um filme sobre seu passado e presente e pretende, em 2014, morar na Europa, porque, segundo, ele existe uma grande demanda por seus shows no Velho Continente.
Por que o senhor não costuma falar sobre política? Raramente se vê uma entrevista sua abordando os temas nacionais e até locais?
Talvez seja por causa do trauma da eleição de 1990, quando não entenderam a minha posição. Depois da queda do Muro de Berlim, das revoluções que vinham acontecendo no mundo, eu sabia que essas revoluções ainda não haviam acontecido em Pernambuco. Pensei que as cabeças estavam abertas para o que vinha acontecendo no resto do mundo com o fim da radicalização.
Mas me enganei profundamente. Não entenderam a minha posição, o meu gesto de confiança nesse fim da radicalização ao apostar na candidatura de Joaquim Francisco. Eu cheguei a dizer não quero me meter em política, não quero me ver em guerrilha de esquerda contra uma direita tão truculenta. Não iria me meter, não queria nada daquilo.
E por que se meteu?
Porque me massacraram por uma simples declaração. Picharam os muros da minha casa, em Olinda. Ligaram lá para casa dizendo que eu estava traindo a esquerda, traindo partidos. Foi uma pressão nunca vista em toda minha vida. Chegaram a fazer uma fogueira com os meus discos quando eu sequer havia me manifestado pela candidatura. Isso foi o estopim. Então eu liguei para Joaquim e disse que queria, de fato, dar uma declaração de apoio e me engajar, mas sem ganhar um tostão.
De onde vinha a sua relação com Joaquim?
Eu admirava todos os políticos daquela época, como o Jarbas, que enfrentou Joaquim e perdeu. Jarbas foi meu colega de farra, no bar Mustang, na Conde da Boa Vista. Joaquim foi amigo de infância, colega de ginásio. Estudamos juntos. Aprendemos a pensar e filosofar com uma grande professora, nossa mestra, a grande Bernadete Pedrosa. Quem me ensinou a pensar foi a Bernadete, n o curso Torres. Papai me dizia que nunca seguiu a maioria porque a maioria havia decidido. Esse negócio de fechar questão não era com ele, que fazia uma política diferente.
O que mais o deixou magoado no episódio Joaquim Francisco?
Foi a falta de compreensão das pessoas, que não quiseram me ouvir, que não deixavam falar, dar explicações. Era pau no meu lombo e pronto! A palavra de ordem era “Alceu traidor”. Mas eu perdoei a todos. Quando davam vaias em mim, eu dizia como Cristo, porque eu sou Cristão: “Perdoou todos eles, esses que me vaiam não sabem o que fazem.” Você não sabe e Pernambuco também, mas tive um infarto por causa disso e nunca mais quis saber de política. Quem muito sofreu comigo também foi minha irmã Detinha, coitada. Não suportou também tanta agonia.
Como se explica essa agonia?
Era uma agonia estranha, a agonia de ver as pessoas sem pensar, cabeça fechada, radicalismos. O radicalismo é a pior praga que existe. Sabe qual é, hoje, o pior radicalismo? É o radicalismo de quem não pensa, a ideologia do consumo. Eu nasci para ser assim, contra todo e qualquer radicalismo. A nova ideia do Papa Francisco é tirar o consumo da cabeça das pessoas. Certa vez estava vendo um programa de televisão com vários jornalistas condenando o consumo e aparece um comercial vendendo um carro possante da Citroen. De que adiantou tanta falação se o programa estava sendo patrocinado pelo consumo?
O senhor já foi jornalista. Se hoje estivesse exercendo a profissão, sua teses iriam gerar polêmicas?
Sim, porque eu penso, em filosofo, eu detesto a burrice, a mesmice. Quando atuei no Jornalismo, eu dizia o que pensava. O Noblat [Ricardo Noblat] me substituiu no Jornal do Brasil. Você sabia disso? Pois é: o Brasil perdeu um jornalista maluco com a inteligência de um rebelde. Troquei o jornalismo e a advocacia pela música. Meu pai me queria advogado, fui fazer música.
E o senhor contrariou o pai?
Sim, tanto que quando decidi pela música ele não me deu dinheiro. Fui para o Rio de Janeiro sem dinheiro da mesada. Comia todos os dias no restaurante Ovo do Dia, em Ipanema. Era um restaurante bem popular. Meu irmão Dercinho alugou um apartamento e me ajudou muito. Devo muito a ele. O Dercinho, para mim, foi a Lei Rouanet, sem ter que pagar impostos. [Gargalhadas]. Sou muito cristão, admiro Cristo, não sou religioso. Carlos Fernando e Paulo Rafael também moraram comigo. Eu me insurgi contra a indústria do disco. Não mandam em mim! Eu sou assim e acabou. Fui para Europa, morei num apartamento tão pequeno que para fazer sexo com a namorada, o Paulinho, com quem eu morava, tinha que ficar no corredor. Se alguém abrisse a porta, dava de cara com a gente fazendo sexo.
Percebi aqui que o senhor não gosta do assédio dos fãs que querem tirar fotos?
Não é que não gosto. Esse negócio de foto com famosos só serve para eles botarem no Facebook e alimentar a indústria Kodak. Eu trato meus fãs diferentes, com carinho, abraços. Era bom que todas as fotos com gente famosa as pessoas pagassem uma taxa para uma instituição de caridade ou para educar as crianças. No tratamento com os meus fãs, eu sou como o pastor, que passa a mão na cabeça dos fiéis ou como um Papa. Dou a minha benção papal aos meus fãs. Mas fotografias, não! Pelo amor de Deus!
Voltando à política, como o senhor avalia o Governo Dilma?
Muito bom, mas estamos vivendo uma política confusa. No Brasil, o que falta é, na verdade, financiamento de campanhas públicas. O sistema hoje é perverso: quem dá, no caso o empresário privado, quer tirar mais na frente. O Brasil precisa de uma forma melhor de financiar campanhas, de programas na tevê que dê espaços a todos. O que assistimos, hoje, é que o modelo que está aí leva políticos honestos a serem confundidos com políticos desonestos.
Quanto à Dilma, acho que ela continua fazendo a redistribuição de renda iniciada por Lula, que fez uma revolução neste País. Eu gosto de Lula, mas já votei em Fernando Henrique Cardoso, Brizola e até no Ciro. Brizola não seria um bom presidente porque não foi bom governador do Rio. Ele tinha uma alma grande, mas em seu governo houve uma exaltação à bandidagem. Minha maior raiva de FHC é que perdi dois apartamentos no Rio por causa daquele caso da Encol. Sou uma das vítimas da Encol. Plano Real, feito pelo pessoal da PUC, só beneficiou São Paulo. O Nordeste e o Norte, menos.
Por que uma defesa tão grande de Lula quando houve tanta corrupção no governo dele?
Lula entrou na hora certa, fez uma gestão boa e o mais importante: fez redistribuição de renda. O Brasil mudou no governo de Lula. Dilma é preparada, de boa intenção, execrada pela mídia por ter sido guerrilheira, mas faz um bom governo. E a economia mundial está em frangalhos na Europa, mas aqui no Brasil, a gente pode assistir Paul MacCartney no Sertão do Piauí. O Brasil mudou ou não? A indústria cresceu, existem mais moradias, as cidades estão melhores para se viver no interior.
Mas não é o Bolsa-Família que dá popularidade ao governo?
É a maior redistribuição de renda do País. Foi bom para o Brasil. E os ricos no governo de Lula e Dilma também têm a sua bolsa-família no momento em que pegam financiamentos com juros subsidiados do BNDES. Isso é ou não e bolsa família do rico?
Como o senhor avalia a candidatura do governador Eduardo a presidente?
Eduardo Campos é o maior governador que Pernambuco já teve e isso é incontestável. E contou com a ajuda de Lula e Dilma para isso. É um político hábil, carismático e trabalhador. Começou com 3% nas pesquisas e se elegeu. Vi que já está com 6% para presidente. Ele é um fato novo na política brasileira! A política é um jogo de xadrez. Quem imaginava um dia Lula com Maluf? E Jarbas fazendo as pazes com Eduardo? Dependendo das alianças, dos entendimentos, Eduardo pode se transformar num candidato competitivo. Todo partido quer o poder. Por que Eduardo tem que pensar diferente?
Por que muita gente imagina o senhor como um louco?
Sou independente, um pensador. Se já pensam que sou louco, imagine o que vão pensar agora depois desta entrevista, desta oportunidade que dei a você. Vão achar que sou mais louco ainda! [Gargalhadas]. Loucura, lucidez e liberdade, estas são as palavras de ordem! Se Jacques Danton fosse vivo, iria aprovar.
O Nordeste mudou?
E muito! O Nordeste precisa de lideranças nacionais. Lula tem a virtude de ter aberto o caminho para o Norte e feito a nordestinação do Brasil, país cujos contrastes são inacreditáveis. Conheço o Brasil mais do que a maioria, por terra e ar. Tabira, cidade que cantei ontem aqui no Pajeú, tem um povo lindo, inteligente. Afogados da Ingazeira, onde me hospedei, tem um hotel fantástico, que não faz vergonha a ninguém. Antes os hotéis eram de fazer vergonha, estradas cruéis de fazer vergonha.
Eu tinha 14 anos quando fui para o Sul e vi estrada de quatro pistas. De São Bento do Una até Vitória a estrada era de barro. Quando meu tio chegava em Vitória, os olhos eram uma pasta grasnada de pó. Já fui de Jipe para Recife. Quando eu chegava em Vitória, a bunda estava doendo de tantos solavancos e buracos. Hoje é tudo pavimentado, uma beleza!
O senhor está indo morar na Europa?
No ano que vem, com certeza. Quero estudar línguas, fazer uma reciclagem e atender a um grande número de compromissos para shows. Estados Unidos, jamais! Miami é uma cidade cafona, quase sempre usa o boné com uma propaganda. O gosto musical de Miami é brega. O Brasil gastando bilhões com os americanos, um consumo desenfreado, que faz mal. Faz mal ao Planeta.
Americano tem um lado bom, o lado da tecnologia. Mas, por outro lado, há uma quantidade de gente dominada e burra que não sabe onde está. Na Europa o alimento não é o hambúrguer. Os Estados Unidos é um país obeso, que produz e mata gente mata mórbida. Vi um número assoberbante aqui no Brasil: nosso país gasta R$ 84 milhões da Previdência Social com doenças provocadas pelo excesso de gordura dos sanduíches americanos.
(Entrevista concedida e publicada por Magno Martins)
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