Com Lula livre, Bolsonaro passa a ter oposição de verdade.
Antonio Cruz/Agência Brasil - Valter Campanato/Agência Brasil
O Globo - Por Bernardo Mello Franco
Depois de 580 dias preso, Lula está livre para fazer política. Aos 74 anos, o ex-presidente volta à cena no papel de líder da oposição. Ele deve bater firme no governo, mas quem apostar numa radicalização corre o risco de quebrar a cara.
Na sexta-feira, o petista começou a mostrar as cartas. Ao deixar a sede da Polícia Federal, ele vestiu um figurino moderado e disse que saía da cadeia “sem ódio”. “Aos 74 anos, meu coração só tem espaço para o amor”, gracejou.
Lula desabafou contra a Lava-Jato e provocou Bolsonaro, mas indicou que seu alvo prioritário será outro: a política econômica de Paulo Guedes. “Depois que eu fui preso, o Brasil não melhorou. O Brasil piorou”, disse.
Na semana em que o governo promoveu um megaleilão do pré-sal, o ex-presidente prometeu “lutar para não permitir que esses caras entreguem o país”. Ele ligou o projeto neoliberal ao aperto na vida dos mais pobres. “O povo tá passando mais fome, o povo tá desempregado, o povo não tem mais trabalho com carteira assinada”, discursou.
Na quarta-feira, o IBGE mostrou que a extrema pobreza cresceu pelo quarto ano seguido e atingiu 13,5 milhões de brasileiros em 2018. A crise foi gestada na gestão de Dilma Rousseff, mas seus efeitos se agravaram depois do impeachment. Isso favorece a tática de comparar o Brasil de hoje com o que ele governou.
Dois dias antes de ser solto, o ex-presidente disse que a esquerda precisa “construir uma narrativa” para voltar ao poder. Em entrevista ao Blog da Cidadania, ele pediu que os petistas “acordem” e parem de morder todas as iscas jogadas pelo clã presidencial.
“O grande cancro deste país não é o Bolsonaro”, disse. “Todo dia a gente tá colocando o Bolsonaro nas nossas redes, dizendo que ele falou bobagem aqui, falou bobagem ali. Enquanto isso, o Guedes vai desmontando, vai vendendo”, afirmou.
Depois de tachar o ministro de aliado dos banqueiros, o petista orientou a tropa a estudar seu novo pacote para criticá-lo. “Não discuta do ponto de vista do economês. Discuta do ponto de vista do povo, da mesa do trabalhador”, reforçou.
“Todos os que não gostavam do PT por causa das suas políticas sociais adoram o que está acontecendo no Brasil”, disse o ex-presidente. Ontem, no palanque, ele chamou Guedes de “demolidor de sonhos” e repetiu que suas reformas empobrecem os trabalhadores.
Lula sabe que não tem adversários à esquerda, apesar do esforço de Ciro Gomes para se contrapor ao PT. Seu desafio é reconquistar os eleitores que bandearam para o outro lado em 2018. Gente que se desiludiu com os escândalos de corrupção e o aumento do desemprego, mas não viu a vida melhorar depois da queda de Dilma.
Na volta ao ABC paulista, o ex-presidente subiu o tom contra Bolsonaro e pediu que os brasileiros voltem ás ruas, seguindo o exemplo dos chilenos. Ao mesmo tempo, reconheceu que o rival foi eleito democraticamente e rejeitou articulações para derrubá-lo.
Em dez meses de governo, o capitão brigou com aliados e torrou capital político, mas nunca enfrentou uma oposição organizada. Com Lula livre, o jogo passa a ser outro.
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