“Bolsonaro foi um erro de cálculo” — afirmou um alto empresário que entrevistei durante o Carnaval, numa praia do litoral norte de Alagoas. Entre um gole e outro de uísque com água de coco, ele analisou os primeiros dois meses do governo e fez revelações importantes, sob a condição de anonimato.
Por Homero Fonseca
P — Qual sua avaliação desses primeiros 60 dias do governo Bolsonaro?
R — Na verdade, não existe um governo propriamente dito. Temos um conglomerado de grupos díspares — evangélicos, radicais de direita, militares, economistas liberais e o Capitão e seus filhos. Cada um puxa para um lado, o presidente não sabe para onde ir e não tem autoridade sobre sua base, que continua em campanha. Aí está a reforma da Previdência empacada, a confusão na política externa prejudicando o agronegócio etc. Assim os investidores não se decidem. Não temos segurança jurídica nem uma diretriz econômica clara. Está difícil.
P — Na sua opinião, como se chegou a esta situação?
R — Nossa aposta era a seguinte: o Bolsonaro, claro, não nos representava, falo em nome do empresariado e dos liberais com quem vinha conversando durante aquele complicado processo eleitoral. Nosso candidato era o Alckmin, um político sério, competente e completamente alinhado ao mercado. E ele tinha apoio total da mídia. Desde antes de 2014 — quando ele não foi candidato porque foi atropelado por Aécio, que tinha mais charme eleitoral. Mas perdemos por pouco. Por essa pequena diferença, todo mundo ficou inconformado. Então veio a campanha vitoriosa do impeachment, o Temer assumiu (ele já tinha firmado compromisso conosco e para isso havia lançado publicamente o documento “Ponte para o futuro”). Tudo parecia correr bem, quando ficou claro que a campanha de Alckimn não decolava.
P — Por que, na sua opinião?
R — Olha, é difícil responder. Acho que o momento era de radicalismo e o Alckmin não tem esse perfil. É um homem cordato, educado, que fala macio (macio até demais). E o povo queria sangue. Metaforicamente.
P — Em algumas áreas, não tão metaforicamente. Vocês não chegaram a considerar Haddad um candidato palatável? Afinal ele é um moderado.
R — Sabíamos que ele não é extremista, mas nossa visão era impedir a todo custo a volta do PT. Então, nem pensar em Haddad.
P — E por que essa aversão tão radical ao PT? Lula não é essencialmente um conciliador?
R — O PT se corrompeu no governo. O caso da Petrobrás é isso. Mas todos sabemos que sempre existiram esquemas para as grandes obras, inclusive durante o regime militar. Mas sabíamos que não podíamos confiar no PT. Lula é conciliador, mas tem as ideias populistas dele. De certa forma, sempre foi um estranho no ninho. Não sabíamos se podíamos confiar nele totalmente. Aliás nunca confiamos nele totalmente.
P — Mas o empresariado — sobretudo os bancos — ganharam muito dinheiro na era Lula…
R — É verdade. Mas até quando? Vivíamos assombrados com [a possibilidade de]uma mudança na política econômica, que a Dilma até ensaiou. E antes veio o pré-sal.
P — O que significou a descoberta do pré-sal?
R — Representou o perigo de Lula virar um Hugo Chávez, com o dinheiro do petróleo na mão. Por isso, os americanos se meteram, reservadamente, claro, alertando que não aceitariam tal coisa, que era um perigo para a democracia mundial. Então todo mundo concordou que Lula não poderia voltar. Nós temos um projeto de modernizar o Brasil, tirar o Estado de tudo que não for essencial, de restabelecer o pleno laisser-faire. A Petrobrás tem que ser privatizada, mas com o pré-sal Lula seria um empecilho a isso, empurrado pela retaguarda do PT. Imagine a tentação. O resto você sabe.
P — Sim. Com a falta de carisma de Alckmin, o discurso radical de Bolsonaro se impôs. Mas todos conheciam suas posições ultradireitistas, inclusive certos arroubos nacionalistas. Bolsonaro não seria um risco para o projeto de vocês?
R — Em princípio, sim. Ele nunca foi nosso candidato. Sempre o consideramos uma espécie de Bobo da Corte, com suas declarações bombásticas. Antes ele era necessário como contraponto aos excessos do outro lado, aquelas pautas identitárias, defesa de mulheres, negros e homossexuais etc. Não que essas pautas ameacem pra valer o projeto liberal, mas incomodam muita gente, especialmente no meio do povão. Tínhamos que aproveitar o sentimento antiPT criado pela mídia. E então o Bolsonaro percebeu nossas restrições a ele e se aliou ao Paulo Guedes, dizendo publicamente que ele teria carta branca na economia, tanto que foi apelidado de “O Posto Ipiranga”, por causa daquela propaganda de que os postos Ipiranga resolvem tudo. E as pesquisas mostravam claramente que tudo caminhava para um confronto Bolsonaro x Haddad. Os outros candidatos liberais — Amoedo, Meirelles, Álvaro Dias — não tinham qualquer chance e Ciro Gomes é tão inconfiável — ou quase tão inconfiável — quanto o PT. Então, fechamos com o Capitão, confiantes na direção econômica do Paulo Guedes.
P — Última pergunta: se Bolsonaro foi um erro de cálculo, o que fazer?
R — Ficou evidente que o cara é muito, mas muito mais despreparado do que parecia. Achávamos que ele reconhecia isso intimamente e deixaria que Paulo Guedes governasse, isso é, dirigisse a economia, como aliás ele prometeu antes da eleição.Mas ele vive se metendo, desmentindo o Guedes, mudando de direção o tempo todo como uma biruta. Entretanto, ele tem um capital político. Capital já em erosão, mas ainda gordo. A pesquisa mostrou que o governo tem menos de 40% de avaliação positiva; é pouco pra quem acaba de vencer a eleição, mas ainda é muito. O fato é que a ralé política tomou de assalto o Legislativo e grande parte do Executivo. O Capitão não tem ideia sequer da liturgia do cargo. Ninguém sabe o que vai acontecer daqui pra frente.
P — E agora, José?
R — Já tenho o slogan (rindo): MOURÃO É A SOLUÇÃO!
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