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terça-feira, 16 de outubro de 2018

Eu corrompi um cara do PT

Por Homero Fonseca


Eu corrompi, sim, um cara do PT. Como nossa atuação não está na jurisdição da Lava Jato, estou fora desse redemoinho todo, assim como o tal técnico-político ou político-técnico. Claro que não vou me identificar, nem dar nomes aos bois, por motivos óbvios. E independente dessa onda moralizante, sempre fui discreto, nunca quis refletores em cima de mim, nem nas boas ações, muito menos nas más. Aquele publicitário que deu uma garrafa de vinho caríssimo ao cara e soprou pras colunas sociais… Que coisa mais kitsch. Mas eu até entendo o comportamento de noveau riche. É assim que se começa a corromper um cara. Por que quando corrompemos alguém, não apenas damos gordas propinas: nós compramos a sua alma. Trazemo-lo para nosso território: a vida de luxo. O político que eu corrompi não era o que vocês estão pensando, não. Esse daí nem sei se foi corrompido mesmo porque, com o poder que tinha, aceitar aquelas merrecas de classe média, entregar a alma por ninharias… Francamente, só se fosse muito burro. E ele não parece nada burro. Deve ter ficado tentado, mas aceitar gorjeta…


Mas concordei em falar, sob estrito anonimato, foi da minha experiência, do meu petista. Em primeiro lugar, corrupção nunca foi novidade. Desde que o homem inventou o dinheiro ela nasceu junto. Obviamente há lugares e épocas mais propícias. Por exemplo, em nações atrasadas e/ou sob regimes autoritários. No chamado 3º Mundo é mais fácil: normalmente eles não têm muita preocupação nem órgãos de controle eficazes. Por isso a prática é generalizada, torna-se uma cultura. O que não quer dizer que nas sociedades avançadas, onde existem instituições mais sofisticadas, ela não exista. Ora, pois sim. Também em governos ditatoriais a corrupção floresce direitinho: a imprensa é censurada e quem se meter a denunciar termina um dia como “desaparecido”. Minhas empresas cresceram exponencialmente durante a ditadura. Foi uma loucura! Claro que foi à custa de muita generosidade de nossa parte. Pagamos muita despesa doméstica, muitas reformas, muitas viagens, muita festa, muita mulher… Qualquer empresa de médio porte pra cima colocava um militar da reserva na diretoria, mesmo que ele não entendesse bulhufas do métier (melhor até quando não entendia, pois não se metia a dar palpite, se limitando a pegar a polpuda grana no fim do mês). Todos sabiam, mas ninguém podia falar. Dizem que num certo país onde havia uma ditadura, um militar de alta patente, diretor de uma instituição financeira, costumava apostar com um CEO do ramo imobiliário. A cada projeto apresentado à instituição, o colega se queixava com o figurão: “A burocracia estatal é um câncer e meu projeto não será aprovado”. O alta patente argumentava: “Não senhor, agora agilizamos tudo”. “Aposto que não” — respondia o dono do projeto. “Pois vamos apostar” — retrucava o diretor. “Feito. Aposto um milhão”. O outro concordava, o projeto saía em menos de um mês e o empresário pagava a aposta em dinheiro vivo.


Depois da chamada redemocratização, a folia corruptora continuou. A coisa se tornou sistêmica, para usar uma palavra da moda. Traduzindo: negócios e políticas caminhavam juntos, num sistema em que todos ganhavam: nós com as obras superfaturadas, os políticos com as propinas. A mais generalizada é o financiamento das campanhas políticas pelo chamado Caixa 2. Distribuímos nossas fichas entre os vários partidos, “doando” quantias mais vultosas aos nossos candidatos preferenciais, e a outros com chance de vencer, de qualquer partido. Corrupção não tem ideologia: é toma lá dá cá. Claro que se eu solto meu rico dinheirinho com um político, seja lá de que partido for, vou cobrar em dobro depois dele eleito. E no Parlamento, mesmo muitos caras da oposição recebem e continuam a receber seu quinhão, para não atrapalhar os negócios.


Com a chegada do PT ao governo, as coisas ficaram mais complicadas. O partido era uma espécie de convidado bem trapalhão em nosso banquete, lembram do filme com Peter Selers? Porque antes, os corruptos e nós, os corruptores, geralmente frequentávamos os mesmos ambientes: clubes fechados, marinas, haras, hotéis seis estrelas, ilhas particulares, viagens em 1ª classe (os mais unhas-de-fome) ou de jatinhos próprios, restaurantes exclusivos, casas de massagem com garotas internacionais. São nos almoços e jantares discretos, em happy hours no Jockey Club, no fim de semana numa praia particular ou num campo de golfe, que os grandes negócios são fechados, entre um gole de um Chivas Rigal 18 anos ou uma taça de Château Mouton Rothschild , sem nos preocuparmos em avisar para as colunas sociais, pelo contrário… Depois, os mensageiros dos caras (os mais “necessitados”) aparecem para pegar as malas de dinheiro com nossos executivos ou fazemos os depósitos em contas nos chamados pejorativamente pela imprensa comunista “paraísos fiscais”. As negociatas, para usar uma linguagem crua e um pouco pebléia, são tão naturais nesses espaços como o ar que respiramos. A todo momento nos encontramos e sempre surgem excelentes oportunidades de negócios. A maioria dos políticos vem de famílias ricas e se locomove com familiaridade nesses espaços, tirando um ou outro caipira.


Os petistas chegaram nesse meio como crentes num cabaré. Ô pessoal destrambelhado! Marinheiros de primeira viagem, deram um trabalho danado. Alguns até resistiram a qualquer aceno nosso: é o caso de um ex parlamentar e dirigente partidário, um pau-de-arara que mora numa casinha de classe média no Butantã. Os caras são uns tabaréus (com raras exceções: tem até um de família quatrocentona, mas esse não gosta de dinheiro, acho que é meio doido). Pois bem: como não frequentavam nossos ambientes, não sabiam se comportar, nem entendiam nossa linguagem cifrada. Vocês hão de convir que em nosso meio não é muito comum alguém chegar dizendo “Me dá um dinheiro aí!” (Apesar de que, pra minha surpresa, um tucano de pedigree político e familiar ter sido flagrado falando quase exatamente isso para o açougueiro do Centro-Oeste e ainda arrotando que mataria quem fizesse delação. Incrível! Mas toda boa família tem sua ovelha negra.) O que posso dizer é que fiz um esforço enorme para corromper meu petista. Não era ele do primeiríssimo escalão, mais era importante numa estatal aí. Não entendia nada de negócios e deu um trabalho danado. Acho que isso aconteceu com outros.
Quando conseguimos tirar a Presidenta — pense numa mulher difícil, meu! — as coisas voltaram ao seu leito normal, retornaram às mãos de quem tem know how,embora um pouco mais acanalhadas. Com essa história de delação premiada, o pessoal quase entrega o ouro. Felizmente a força tarefa só queria mesmo pegar os petistas (e um tucano aqui e outro emedebista ali, pra disfarçar) e, como disse nosso Senador, a sangria foi estancada (ou esperamos que tenha sido). Agora, o “Mercado” — como nos chamam nossos jornalistas — estamos na expectativa. Nosso candidato preferencial foi um fiasco no primeiro turno (aliás, todos os nossos prediletos), mas ao que tudo indica continuaremos a mandar na economia, se o capitão chegar lá, que o Deus Neoliberal o proteja e guie. Só otário acredita no discurso do incorruptível. Sabemos que todo moralista é um invejoso da delícia dos pecados dos outros e basta surgir a chance para tirar o atraso. Estamos prontos para continuar corrompendo, como sempre o fizemos. É a regra do jogo.


PS.: Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas da vida real terá sido mera coincidência


*Homero Fonseca é jornalista e escritor, radicado na capital pernambucana.

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