Minsitério da Saúde suspende acordo
Parceria é interrompida após ministro da Saúde negociar 'fábrica de sangue' em reduto eleitoral. Parceria
previa a transferência de tecnologia progressiva para a produção do
Fator VIII recombinante, essencial para pacientes hemofílicos
O Estado de S. Paulo - Lígia Formenti e Daiene Cardoso
O
Ministério da Saúde suspendeu a Parceria de Desenvolvimento Produtivo
(PDP) de um hemoderivado essencial para pacientes hemofílicos, o Fator
VIII recombinante. Firmado em 2012 com a estatal Hemobrás e com a
empresa Shire, o acordo previa a transferência de tecnologia progressiva
para a produção do hemoderivado. A decisão do governo foi comunicada à
Hemobrás nesta quinta-feira, 13.
A
justificativa da pasta é a de que o andamento da parceria estaria em
desacordo com as diretrizes estabelecidas no contrato. Procurado, o
ministério afirmou que o ofício encaminhado para a Hemobrás integra
fluxo administrativo e que até hoje não houve efetivamente transferência
de tecnologia.
A
suspensão da parceria ocorre um mês depois de o ministro da Saúde,
Ricardo Barros, dar início pessoalmente a uma negociação que prevê a
construção de uma fábrica de hemoderivados em Maringá (PR), seu reduto
eleitoral. Pela proposta, um consórcio seria formado entre os
laboratórios públicos estaduais Butantã (SP), Tecpar(PR), Hemobrás e a
empresa suíça Octapharma. Os três laboratórios ficariam encarregados da
produção de hemoderivados para o País. Para o plano seguir em frente, no
entanto, o primeiro passo é terminar a PDP com a empresa Shire.
O
diretor da Hemobrás, Oswaldo Cordeiro Paschoal Castilho, disse haver
estoques suficientes de Fator VIII para atender a demanda de pacientes
brasileiros até fevereiro. Não há, portanto, risco de desabastecimento a
curto prazo até que a situação seja definida.
O
ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde dá um prazo de 10 dias para
que a Hemobrás se manifeste e, caso interessada, apresente um plano
alternativo de reestruturação.
De
acordo com a PDP agora suspensa, a Shire deveria transferir todo o
conhecimento de produção do Fator VIII para a Hemobrás. Enquanto a
estatal brasileira não dominasse a técnica para fabricação, a Shire
ficaria encarregada de abastecer toda a demanda do mercado. A previsão
era a de que a Hemobrás começasse a produção num prazo de 5 anos. O
cronograma, no entanto, nunca foi cumprido.
Além
do atraso, provocado por erros no projeto, denúncias de
superfaturamento e irregularidade nas obras, o acordo rendeu uma dívida
da Hemobrás para Shire que hoje equivale a US$ 175 milhões.
"Não
sei como isso poderá ser pago", disse Paschoal Castilho, que assumiu a
direção da estatal em abril do ano passado. Ele atribui a dívida a
problemas cambiais. De acordo com ele, o acordo feito com a Shire previa
preços em dólar. Com a desvalorização do real, os preços dos
hemoderivados subiram de forma expressiva. Sem repasse da União, a
estatal não conseguiu arcar com os custos da compra do hemoderivado.
Paschoal
Castilho tem dito que se a PDP fosse mantida e ajustes na obra
realizados, em cinco anos haveria condições de se completar a
transferência de tecnologia. Com isso o Brasil se tornaria
autossuficiente na produção do hemoderivado recombinante, considerado a
principal escolha para o tratamento de pacientes com hemofilia. Seu
preço é 11 vezes maior do que o Fator VIII preparado a partir do plasma
humano.
O
ministro da Saúde, no entanto, avalia que outra solução tem de ser
adotada. Para dar continuidade à PDP com Hemobrás e Shire, seria
necessário um investimento de R$ 629 milhões. O consórcio defendido pelo
ministro, por sua vez, não necessitaria de investimentos.
Pela
proposta em análise, a Octapharma faria um investimento de US$ 500
milhões para produção de hemoderivados no País. Os recursos seriam
suficientes para adaptar e finalizar as obras no Instituto Butantã e na
Hemobrás na área de sangue. Também está incluída na conta a construção
de uma fábrica na Tecpar. Hoje, o instituto do Paraná não apresenta
nenhuma atividade ou estrutura na área de sangue.
Em
troca do investimento, o laboratório suíço, ao lado do consórcio,
ficaria com o monopólio do comércio de hemoderivados até a total
transferência da tecnologia. A empresa fala num empreendimento de 25
anos.
A
proposta, no entanto, despertou a preocupação do Ministério Público
junto ao TCU. Um pedido formal de esclarecimentos foi encaminhado. Há
ainda a resistência da Hemobrás e do próprio Instituto Butantã. Pelo
formato proposto, os dois laboratórios ficariam encarregados da produção
de hemoderivados considerados menos atrativos. À Tecpar, ficaria
reservada a "cereja do bolo", que é a produção de hemoderivados
recombinantes.
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