De Janio de Freitas na Folha de São Paulo
A crise enlouqueceu mais um pouco. Com propensão a escapar de mais controles espontâneos e automáticos, sem que se anteveja quais seriam no estoque denominado Constituição.
Entre Michel Temer e Rodrigo Janot reduziu-se a reserva de respeito forçado no convívio dos Poderes. Certo é que, com avanço ou com recuo da crise, nenhuma das saídas imagináveis é sequer razoável. Já é muito grande a corrosão geral, e tão maior será quanto mais a crise perdure. No conjunto de incógnitas, a especulação mais interessante: o atual desalento da sociedade com o seu país será sempre desalento ou levará a um desabafo daqueles?
Se depender do Congresso, a segunda hipótese tem maior chance. A Câmara que abriu a corrida para o impeachment de uma presidente, por truque contábil de que nem era a autora, é a mesma com óbvia disposição de negar licença para o impeachment de um presidente assoberbado por denúncias. Desde corrupção, dificuldade de construir uma defesa sem contradições e inverdades, e ainda pelos 76% que desejam vê-lo rampa do Planalto abaixo.
As defesas apresentadas por Temer, aliás, têm um componente mais dramático do que policial ou judicial. Janot e seus procuradores estão convencidos de que os R$ 500 mil na mala passada por Joesley Batista a Rodrigo Rocha Loures eram, na verdade, destinados a Michel Temer. Nas suas três defesas públicas, Temer não fez alusão à mala e à prisão do seu representante autorizado junto a Joesley e aos interesses do grupo JBS/J&F (lamento a frustração, mas nada a ver com o J e F aqui no velho batente). Na argumentação, porém, esteve implícita a negação de envolvimento com a mala e seu conteúdo. Logo, Temer joga o amigo "de total confiança" no papel de único achacador, recebedor e dono dos R$ 500 mil. E nem adianta que Loures o desminta, se for o caso, por falta de prova. Está nas mãos de Temer, que não as estenderá, e de Joesley, que joga com interesses.
Por falar em defesas de Temer, há ainda uma contradição suicida na mais recente e já tão esmiuçada. A inexistência de adulteração e, portanto, a validade da sua gravação com Joesley Batista é afirmada pela perícia da Polícia Federal. Temer a considera "prova inválida e ilícita", pelas falhas de som em segundos e frações de segundo. Na ocasião, também disse: "na pesquisa feita seriamente pela Polícia Federal, pelo seu Instituto Nacional de Criminalística" (...). A competência técnica da PF e do INC não merece dúvida, se não há influência política externa ou interna. Reconhecido por Temer que a PF e o INC trabalharam "seriamente", está desmentido seu argumento de invalidade da perícia oficial como prova em fins judiciais.
Que fins serão esses e os demais, estão acima de fantasias primárias de renúncia de Temer "para bem do Brasil", "por patriotismo". Não há lideranças políticas, nem pensadores em condições de influência, para evitar que a crise siga com geração própria. E com a colaboração desesperada e mercantil de Michel Temer. Mas sem justificar surpresas.
Era fácil saber logo de quem se tratava: ninguém se cerca de Geddeis, Moreiras & cia. se não for por afinidade, se não tiver o mesmo propósito pelos mesmos meios. Apesar disso, Michel Temer foi e continua apoiado não só no Congresso, mas também, e talvez com mais força, no empresariado graúdo. Nas vestais do PSDB gananciosas da sucessão presidencial ou pendurados nos ministérios. Nos que empurraram o país para o buraco, pela ninharia de uma contabilidade inútil, e hoje calam sua responsabilidade, felizes no elitismo e trêmulos de medo da polícia e da Justiça.
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