Ribamar Fonseca Jornalista e escritor
Câmara Federal deve votar o projeto de lei, elaborado por integrantes do Ministério Público, contendo dez medidas anticorrupção, entre elas a que valida as provas obtidas se necessário até mediante tortura, desde que realizada de boa fé, e a que cria uma comissão destinada a receber denúncias de corrupção. Se o texto da proposta for aprovado conforme redigido pelos procuradores, os quais por isso foram classificados de "cretinos" pelo ministro Gilmar Mendes, a tortura e o dedurismo serão legalizados no Brasil. E estará criada, segundo o procurador aposentado Roberto Tardelli, a "República dos Delatores", um lugar onde "os canalhas serão celebrados como heróis, um serviço sujo a que nem os militares se sujeitaram". Em artigo sob o título de "A história marcará o Ministério Público como quem trouxe o terror institucional", Tardelli se disse "aliviado" por não mais fazer parte de um órgão "que conspirou contra a democracia e trouxe o terror de Estado e o medo institucional".
Depois de classificar o pacote anticorrupção como "uma canalhice
jurídica sem tamanho", o advogado e procurador aposentado disse que "a
ditadura chegou nos braços do Ministério Público, nas mãos de quem tem o
compromisso constitucional de lutar pela democracia, uma ditadura onde
não mais existe um ditador, personalista e egocêntrico, mas incontáveis
pequenos tiranos, egóicos e narcísicos, que vão destilar arbítrio por
onde passarem". Tardelli adverte, a certa altura, que "as pessoas que
saíram às ruas pedindo adesão a um abaixo-assinado que não compreendiam
foram enganadas, traídas". O artigo do procurador aposentado é um dos
mais duros libelos contra um projeto que, se for aprovado na forma como
elaborado, representará não um avanço no combate à corrupção, mas um
retrocesso, na medida em que legaliza ações próprias de ditaduras. E
será pior ainda se não for reincluída a emenda que estabelece penas mais
duras para o abuso de autoridade, retirada pelo acovardado relator Onyx
Lorenzoni, depois de pressionado por procuradores, entre eles Deltan
Dallagnol, da Lava-Jato.
Essa emenda foi alvo de surpreendente reação de juízes e
procuradores, que a acreditaram destinada a prejudicar as investigações
em andamento, em especial as realizadas pela Operação Lava-Jato, o que
soou como uma confissão da prática do abuso de autoridade. Se o projeto
for aprovado sem essa emenda será a prova mais vergonhosa do cagaço dos
deputados, amedrontados diante de uma força-tarefa que já colocou muita
gente na cadeia, principalmente políticos. Ninguém tem dúvidas sobre a
necessidade de se criar uma legislação mais severa para combater a
corrupção, desestimulando essa prática danosa com penas mais duras para
os seus autores, mas isso não pode servir de pretexto para legalizar
ações que atentem contra os direitos humanos, que suprimam garantias
individuais, que fragilizem a democracia. Afinal, já que os órgãos
superiores da Justiça não se importam com os excessos cometidos
inclusive no âmbito do Judiciário, é imperioso que se aprove uma
legislação que ponha um freio nos abusos perpetrados em nome da
moralidade. Vale a pena repetir: não se combate um crime cometendo
outro.
Na verdade, muitos magistrados e procuradores – felizmente não são a
maioria - se convenceram de que são poderosos e formam uma casta, não
admitindo nada que possa afetar seus privilégios. Daí a reação não
apenas contra um dispositivo legal que possa enquadrá-los por abuso de
autoridade como, também, contra o projeto em gestação no Senado que
confirma dispositivo constitucional fixando o teto salarial dos
servidores públicos no valor percebido pelos ministros do Supremo
Tribunal Federal, em torno de R$ 33 mil. Hoje tem muita gente com
salário mensal de até R$ 200 mil. Uma pesquisa recente feita no Rio de
Janeiro revelou que só naquele Estado cerca de 98% dos agentes públicos,
aí incluídos os membros do Judiciário, tem salário superior ao teto
estabelecido pela Constituição. A indignação entre os privilegiados é
tamanha que a Suprema Corte vem sendo pressionada para afastar o senador
Renan Calheiros da presidência do Congresso. A sessão da Corte que
julgará a ação deve acontecer também esta semana".
Por outro lado, espera-se que a pressão da sociedade tenha abortado a
indecente manobra realizada na Câmara, por deputados da base aliada,
destinada a anistiar o caixa dois. O próprio Temer, que estaria por trás
dessa manobra, recuou e já afirmou que vetará a proposta, caso venha a
ser aprovada pelo Legislativo. O povo, que já se deixou enganar algumas
vezes – e muita gente inclusive já se arrependeu de ter saído às ruas
para pedir a saída de Dilma – está atento a essas manobras e não dará
trégua ao Parlamento e muito menos a Temer enquanto ele não deixar o
Palácio do Planalto. E certamente também não vai aceitar pacificamente a
eleição indireta de um novo presidente que não corresponda às suas
aspirações. FHC, portanto, que está assanhadíssimo para voltar ao
Planalto, não se enquadra nas aspirações da população e deverá enfrentar
enormes resistências, dentro e fora do Congresso, para alcançar seu
objetivo. Talvez só tenha mesmo o apoio da mídia e dos tucanos.
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