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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

“Onde os canalhas serão celebrados como heróis”

Ribamar Fonseca  Jornalista e escritor 
Câmara Federal deve votar o projeto de lei, elaborado por integrantes do Ministério Público, contendo dez medidas anticorrupção, entre elas a que valida as provas obtidas se necessário até mediante tortura, desde que realizada de boa fé, e a que cria uma comissão destinada a receber denúncias de corrupção. Se o texto da proposta for aprovado conforme redigido pelos procuradores, os quais por isso foram classificados de "cretinos" pelo ministro Gilmar Mendes, a tortura e o dedurismo serão legalizados no Brasil. E estará criada, segundo o procurador aposentado Roberto Tardelli, a "República dos Delatores", um lugar onde "os canalhas serão celebrados como heróis, um serviço sujo a que nem os militares se sujeitaram". Em artigo sob o título de "A história marcará o Ministério Público como quem trouxe o terror institucional", Tardelli se disse "aliviado" por não mais fazer parte de um órgão "que conspirou contra a democracia e trouxe o terror de Estado e o medo institucional".
Depois de classificar o pacote anticorrupção como "uma canalhice jurídica sem tamanho", o advogado e procurador aposentado disse que "a ditadura chegou nos braços do Ministério Público, nas mãos de quem tem o compromisso constitucional de lutar pela democracia, uma ditadura onde não mais existe um ditador, personalista e egocêntrico, mas incontáveis pequenos tiranos, egóicos e narcísicos, que vão destilar arbítrio por onde passarem". Tardelli adverte, a certa altura, que "as pessoas que saíram às ruas pedindo adesão a um abaixo-assinado que não compreendiam foram enganadas, traídas". O artigo do procurador aposentado é um dos mais duros libelos contra um projeto que, se for aprovado na forma como elaborado, representará não um avanço no combate à corrupção, mas um retrocesso, na medida em que legaliza ações próprias de ditaduras. E será pior ainda se não for reincluída a emenda que estabelece penas mais duras para o abuso de autoridade, retirada pelo acovardado relator Onyx Lorenzoni, depois de pressionado por procuradores, entre eles Deltan Dallagnol, da Lava-Jato.
Essa emenda foi alvo de surpreendente reação de juízes e procuradores, que a acreditaram destinada a prejudicar as investigações em andamento, em especial as realizadas pela Operação Lava-Jato, o que soou como uma confissão da prática do abuso de autoridade. Se o projeto for aprovado sem essa emenda será a prova mais vergonhosa do cagaço dos deputados, amedrontados diante de uma força-tarefa que já colocou muita gente na cadeia, principalmente políticos. Ninguém tem dúvidas sobre a necessidade de se criar uma legislação mais severa para combater a corrupção, desestimulando essa prática danosa com penas mais duras para os seus autores, mas isso não pode servir de pretexto para legalizar ações que atentem contra os direitos humanos, que suprimam garantias individuais, que fragilizem a democracia. Afinal, já que os órgãos superiores da Justiça não se importam com os excessos cometidos inclusive no âmbito do Judiciário, é imperioso que se aprove uma legislação que ponha um freio nos abusos perpetrados em nome da moralidade. Vale a pena repetir: não se combate um crime cometendo outro.
Na verdade, muitos magistrados e procuradores – felizmente não são a maioria - se convenceram de que são poderosos e formam uma casta, não admitindo nada que possa afetar seus privilégios. Daí a reação não apenas contra um dispositivo legal que possa enquadrá-los por abuso de autoridade como, também, contra o projeto em gestação no Senado que confirma dispositivo constitucional fixando o teto salarial dos servidores públicos no valor percebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, em torno de R$ 33 mil. Hoje tem muita gente com salário mensal de até R$ 200 mil. Uma pesquisa recente feita no Rio de Janeiro revelou que só naquele Estado cerca de 98% dos agentes públicos, aí incluídos os membros do Judiciário, tem salário superior ao teto estabelecido pela Constituição. A indignação entre os privilegiados é tamanha que a Suprema Corte vem sendo pressionada para afastar o senador Renan Calheiros da presidência do Congresso. A sessão da Corte que julgará a ação deve acontecer também esta semana".
Por outro lado, espera-se que a pressão da sociedade tenha abortado a indecente manobra realizada na Câmara, por deputados da base aliada, destinada a anistiar o caixa dois. O próprio Temer, que estaria por trás dessa manobra, recuou e já afirmou que vetará a proposta, caso venha a ser aprovada pelo Legislativo. O povo, que já se deixou enganar algumas vezes – e muita gente inclusive já se arrependeu de ter saído às ruas para pedir a saída de Dilma – está atento a essas manobras e não dará trégua ao Parlamento e muito menos a Temer enquanto ele não deixar o Palácio do Planalto. E certamente também não vai aceitar pacificamente a eleição indireta de um novo presidente que não corresponda às suas aspirações. FHC, portanto, que está assanhadíssimo para voltar ao Planalto, não se enquadra nas aspirações da população e deverá enfrentar enormes resistências, dentro e fora do Congresso, para alcançar seu objetivo. Talvez só tenha mesmo o apoio da mídia e dos tucanos.

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