Texto de Guilherme Boulos-
Chegou o dia que o Brasil tanto esperava e que Brasília tanto temia:
Eduardo Cunha está preso. Tardiamente, é verdade. Contra Cunha, ao menos
desde o ano passado, pesam muito mais do que convicções. Há provas
contundentes, como os extratos de contas na Suíça associados à corrupção
na Petrobras.
Que, a esta altura, sua prisão seja "preventiva" chega a soar irônico,
após ele ter chantageado uma presidente aos olhos do país, ter conduzido
o processo de impeachment que a derrubou e feito ameaças a torto e a
direito. O ônus deste atraso cabe a Teori Zavascki. O ministro do
Supremo demorou mais de quatro meses para afastar Cunha após o pedido do
MPF, feito ainda com Dilma no governo, e negou seu pedido de prisão em
junho último.
Cabe agora entender os impactos desta prisão. Para o governo Temer e para os próximos passos da Operação Lava Jato.
De um lado, uma eventual delação de Eduardo Cunha pode ter efeito
explosivo para o PMDB e o governo. Ele já havia apontado para Moreira
Franco, homem forte da guarda palaciana, insinuando que teria provas de
seu envolvimento em esquema de propina no financiamento das obras do
Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Mas isso seria apenas o aperitivo.
É fato corrente nos bastidores que Cunha e Temer teriam uma parceria na
gestão do porto de Santos, ligada ao grupo Libra –principal doador de
Temer e favorecido por Cunha com uma emenda na MP dos Portos. O atual
presidente chegou a ser alvo de dois inquéritos relacionados ao
recebimento de propinas no porto, em 2002 e 2006, ambos arquivados.
Suspeita-se que Cunha tenha gravações de conversas com ele sobre o
assunto.
Se Cunha resolver falar e tiver condições de apresentar provas –e é
claro se os procuradores da Lava Jato aceitarem sua delação –o governo
Temer poderá ter seus dias contados. Neste caso, ironia da história,
Temer seria derrubado pelas mesmas mãos que o colocaram no poder. Sem
falar no Congresso, sobre o qual supõe-se que uma delação do ex-deputado
tenha efeitos devastadores.
Mas, de outro lado, a prisão de Cunha pode ter ainda um impacto
diferente, relacionado à ofensiva da Lava Jato contra o ex-presidente
Lula. A obsessão de Sergio Moro e da chamada "força tarefa" em prender
Lula já se tornou algo notório. Foram com muita sede ao pote, tanto na
condução coercitiva em março, quanto na desastrada denúncia do power
point.
Esses excessos reforçaram a percepção de seletividade e perseguição da
Lava Jato contra Lula, principalmente ao considerar que a enorme maioria
dos presos e indiciados do núcleo político são do PT. A prisão de Cunha
neste momento pode ser entendida como uma preparação da opinião pública
para uma eventual prisão de Lula. Neste caso, Moro estaria
defendendo-se preventivamente da acusação de seletividade.
Nas últimas semanas, uma enxurrada de novas denúncias da Polícia Federal
e do Ministério Público contra Lula –com base probatória que beira o
ridículo– alimentaram boatos de uma prisão iminente.
Além disso, os que achavam que Lula era já um "cachorro morto" tiveram
uma surpresa com a divulgação nesta terça (18) de uma pesquisa do
Instituto Vox Populi, curiosamente pouco repercutida na grande imprensa.
Mesmo em meio a um prolongado linchamento público, Lula aprece com 34%
das intenções de voto para 2018, mais que o dobro de Aécio Neves, com
15%.
Por isso, é razoável supor que aqueles que têm o interesse de destruir a
figura do ex-presidente precisem ir além. No caso de Sergio Moro, as
iniciativas anteriores devem ter deixado a lição de que é preciso ter
mais cuidado, calibrar os tempos e a narrativa. Nesse sentido, a prisão
de Eduardo Cunha –necessária e tardia– pode ser convenientemente
utilizada para dourar a pílula de uma arbitrariedade contra Lula.
Afinal, passaria à sociedade a mensagem de que a Lava Jato não é
seletiva, ocultando que dos tucanos citados permaneceram ilesos, bem
como a cúpula do PMDB.
Os dados foram lançados. A prisão de Cunha foi uma jogada ousada de
Moro. Resta saber como sua República de Curitiba conduzirá os próximos
lances.
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