A vitória de Donald Trump nas primárias de Indiana, fato que fez dele
o virtual candidato do Partido Republicano, deixou a comunidade
política perplexa.
Como explicar a ascensão de alguém tão asqueroso como Donald Trump ao
possível cargo de presidente dos Estados Unidos da América? Um homem
que representa o que há de pior no mundo – preconceituoso, racista,
misógino, ultranacionalista e xenófobo, enfim, um perfeito fascista.
Desde o início de maio, quando se soube que Trump seria realmente o
candidato republicano, analistas buscam compreender os motivos que
levaram milhões de americanos a escolher Donald Trump como candidato
ideal para a Casa Branca.
As hipóteses são das mais variadas, desde a simples ignorância da
população até um suposto carisma do candidato – Trump fala tudo que lhe
vem à cabeça e assumiu uma postura ‘politicamente incorreta’, simpática
para muitos eleitores.
Engraçado que Donald Trump apenas tomou para si um discurso demagogo
que já imperava dentro do próprio Partido Republicano, principalmente
após a eleição de Barack Obama, como mostra um quadro do The Daily Show with Trevor Noah. Discurso este que foi impulsionado pelas manifestações de grupos ultraconservadores, entre eles o Tea Party.
No entanto, dizer que Donald Trump simplesmente ‘copiou’ o discurso
republicano e com seu carisma soube conquistar mais votos que seus
adversários é menosprezar demais o eleitorado norte-americano e as
consequências trágicas da crise de 2008 para a classe média do país.
A meu ver o fenômeno Trump tem uma explicação fácil de entender: ele é produto da crescente desigualdade social nos Estados Unidos, que está ‘matando’ a classe média tradicional branca, anglo-saxônica e protestante – conhecida historicamente como WASP, ou White, Anglo-Saxon and Protestant, em inglês.
Eu havia prometido a mim mesmo que nunca repetiria esta expressão em
um artigo, por considerá-la batida demais. Na imprensa brasileira
tornou-se um clichê, todo ano alguém publica artigo com o mesmo título,
mas não vejo outro modo de explicar a ascensão de Donald Trump senão
parafraseando James Carville, então assessor da campanha de Bill Clinton
em 1992, que cunhou a frase: “É a economia, estúpido!”.
Está cada vez mais claro que Donald Trump é resultado do desespero de
uma parcela da população sem esperança nos políticos tradicionais e
atolada numa crise econômica que perdura há décadas.
Desde o governo de Ronald Reagan, primeiro presidente dos Estados
Unidos a implantar no país o que hoje chamamos de ‘neoliberalismo’, a
classe média norte-americana vem empobrecendo ano após ano – e quando
falo de classe média norte-americana, me refiro àquela parcela da
população com renda familiar de aproximadamente US$ 40 mil dólares ao
ano.
Para termos uma noção do impacto do governo Reagan na economia,
durante a administração do democrata Jimmy Carter a renda anual de uma
família classe média girava em torno de US$ 48 mil dólares/ano. Durante o
governo Reagan este número reduziu para cerca de US$ 43 mil dólares/ano
e atualmente gira em torno de US$ 33 mil dólares/ano.
O salário mínimo norte-americano atingiu seu maior patamar em 1968,
quando pagava US$ 1.60 dólares por hora de trabalho, o equivalente a US$
10.86 dólares em valores atuais, e de lá pra cá não para de cair.
Não é à toa que o aumento do salário mínimo de US$ 7.25 para US$
15.00 dólares a hora de trabalho seja uma das principais bandeiras do
socialista Bernie Sanders. Desde os anos de 1960 a produtividade do
trabalhador americano mais que dobrou enquanto os salários
só diminuíram, em valores reais.
Pela primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, a nova geração da classe média branca norte-americana, os millennials,
se veem mais pobres que seus pais. Resultado do liberalismo econômico
sem limites iniciado por Ronald Reagan, mas ampliado e aprofundado na
gestão Bill Clinton, com acordos de livre comércio como o NAFTA e a
desregulamentação total do fluxo de capitais.
A verdade é que o ‘neoliberalismo’ praticado a partir da década de
1990, e que perdura até hoje, beneficiou apenas uma pequena parcela da
sociedade – principalmente bancos, empresas multinacionais e seus
acionistas majoritários.
Já os trabalhadores foram os mais prejudicados e isso explica
bastante porque o discurso antiglobalização, anti-imigrantes, contrário
aos acordos de livre comércio e protecionista de Donald Trump atrai
tantos eleitores.
No Brasil a classe média tradicional odeia o PT por seus acertos, não por seus erros
Curioso como no Brasil os motivos que levaram setores da classe média
a apoiar um político como Jair Bolsonaro – tão asqueroso quanto Donald
Trump – são opostos aos da classe média norte-americana.
Quando me refiro à classe média norte-americana é importante frisar
que nos Estados Unidos ela é representada por agricultores, pequenos
empresários, funcionários públicos de médio e baixo escalão e até
trabalhadores técnicos da indústria, sem ensino superior.
Bem diferente do Brasil, onde a dita ‘classe média’ está associada a
uma parcela da população com ensino superior, que ocupa cargos de
gerência em grandes empresas ou tem empregos públicos de médio e alto
escalão. No Brasil a classe média se sente mais próxima da elite que
dos trabalhadores. E digo mais: uma parcela significativa quer distância
da ‘Classe C’.
Enquanto os Estados Unidos veem o ‘sonho americano’ morrer
lentamente, a desigualdade social crescer e o fosso entre ricos e pobres
atingir níveis recordes; os brasileiros pelo contrário vivenciaram na
última década a maior ascensão social coletiva já vista no Brasil, quiçá
no mundo. Neste período tivemos o presidente que mais distribuiu renda e reduziu a pobreza em toda nossa história, segundo dados da ONU.
Se nos Estados Unidos o fenômeno Donald Trump é explicado por um
misto de corte nos direitos trabalhistas, crise econômica e preconceito
racial de brancos contra negros, latinos, mulçumanos e outras minorias.
No caso brasileiro temos somente o mais puro preconceito de
classe. Apenas isto explica a ascensão de Jair Bolsonaro ao posto de
‘presidenciável’ nas eleições de 2018.
De acordo com o Datafolha, Bolsonaro lidera as intenções de voto entre o eleitorado com renda familiar mensal superior a dez salários mínimos, ou seja, entre a elite e a classe média branca e cristã das grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Do mesmo modo como alguns norte-americanos se incomodam com a invasão
de minorias e estrangeiros em seus empregos e ambientes sociais; uma
parcela considerável dos brasileiros está claramente incomodada com o
empoderamento de negros, nordestinos, feministas, homossexuais e demais
minorias no cenário nacional, fruto de políticas sociais implantadas
pelo PT nestes 13 anos de poder.
Eles têm rancor de Lula e Dilma por terem incluído a tal da ‘Classe
C’ em ambientes que antes eram restritos à elite e classe média branca
deste país, como as universidades federais, os empregos públicos de alto
escalão, aeroportos etc.
Claro que não admitem isso, preferem dizer que estão combatendo a
corrupção, talvez para manter a consciência limpa, mas é a dura verdade.
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