A defesa de Marcelo Odebrecht, detido no contexto da Operação
Lava-Jato, pediu a reabertura do inquérito – que já entra na fase de
julgamento – depois que descobriu que trecho do depoimento em vídeo
feito pelo delator “premiado” Paulo Roberto Costa em que ele eximia
Odebrecht de participação direta no esquema de propina foi omitido na
transcrição feita pelo Ministério Público, e encaminhada ao Juiz Sérgio
Moro, ainda antes da prisão do empresário.
“Se a declaração completa estivesse nos autos, obviamente teria
inibido o juiz a determinar a realização de buscas e apreensões e a
prisão de uma pessoa que foi inocentada por aquele que é apontado como
coordenador das condutas criminosas no âmbito da Petrobras”, declarou o
advogado Nabor Bulhões, que solicitou acesso a todos os outros
depoimentos em vídeo que citem seu cliente, para se assegurar que eles
não foram alterados e correspondem às transcrições.
Em resposta à solicitação, o Juiz Sérgio Moro disse que “processo
anda para frente” e deu a entender que não se pode voltar a etapas já
encerradas para mudar essa questão. E o Ministério Público, por
intermédio do Procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, deu a entender
que a transcrição não é literal devido ao termo de declarações ser
“fidedigno” porque “sua função é resumir os principais pontos do que foi
dito”.
Ao agir como o fez, o MP promove censura subjetiva ao alterar o
teor das declarações, quase como se cortasse cenas “proibidas” de um
filme inadequado para certos tipos de público. Quem deverá julgar o que é
importante ou não no depoimento dos delatores da Operação Lava-Jato é a
sociedade brasileira, no final desse processo interminável que parece
pretender se tornar um fator de intervenção permanente no processo
político brasileiro.
Principalmente porque, como ocorreu no caso do “mensalão”, ele se
sustenta, básica e exatamente, nisso: mais em delações “premiadas” e em
distorcidas interpretações de teorias como a do Domínio do Fato, do que
em provas concretas.
Cada cidadão brasileiro deve ter o direito de ver, como um
strip-tease perverso – e ter a possibilidade de interpretar do jeito que
lhe apeteça – cada detalhe, cada palavra dita, cada suspiro entre
frases, cada insinuação, cada sugestão, cada levantar de sobrancelha, de
cada um dos presentes em cada audiência em que se procederam essas
“delações”.
Subjetivamente, se for o caso. Emocionalmente. Do mesmo jeito que
esses mesmos “depoimentos” – e provas discutíveis, cheias de “se”, de
ilações e de condicionantes – têm sido produzidas, aceitas,
interpretadas e julgadas pelos procuradores e o juiz da Operação
Lava-Jato.
A esses senhores não lhes foi facultado o direito de cortar ou
alterar um segundo, ou de decidir, de per si, o que é ou não relevante
na fala de cada “delator”. Qualquer corte nesses depoimentos poderá ser
interpretado como uma tentativa de manipulação e de grave alteração das
provas que estão, ou deveriam estar – registradas, protegidas e
incólumes – à disposição da justiça e da própria História.
Não é aceitável que, em uma operação como a Lava-Jato, que se
sustenta quase que totalmente no disse me disse de bandidos, muitos dos
quais já se encontram, na prática, em liberdade, ainda se alterem os
depoimentos transcritos em desfavor de citados que podem estar sendo
caluniados ou vir a ser condenados devido a essas mesmas delações. Nesse
caso, cada palavra é preciosa, e pode ser fundamental para a defesa dos
réus em instâncias superiores às quais eles têm o direito de recorrer, e
certamente recorrerão, no futuro. Está muito equivocado o MP, quando
pretende restringir o que deve ser ou não divulgado ao que “interessa”
ou não “interessa” à investigação.
Há muito a Operação Lava-Jato deixou de ser um mero processo
judicial. O que está em jogo, nesse esquema que se imiscuiu, ao ritmo
dessas delações, como os antigos inquéritos stalinistas, por todo o país
e os mais variados setores da sociedade e da economia brasileiras, é o
futuro da Nação e da República. E mais grave ainda, a curtos e médios
prazos, o destino direto e indireto de obras, projetos e programas
estratégicos para o desenvolvimento nacional, nas áreas de energia,
defesa e infra-estrutura, para não falar da sobrevivência da engenharia
brasileira e de milhares de trabalhadores que estão perdendo postos de
trabalho, porque se confunde o combate a uma ação de corrupção que
envolveria teoricamente uma comissão de 3%, com a destruição e a
inviabilização, paralisia e sucateamento dos outros 97% que foram
efetivamente, inequivocamente, aplicados em equipamentos, obras,
empregos, investimentos, com o precioso dinheiro do contribuinte.
E que não se alegue sigilo de justiça. Porque além de “editar” o
que se considera que deve ser omitido, permite-se, paradoxalmente, que
se divulgue, seletivamente, por outro lado, o que alguns acham que deva
ser levado aos olhos e ouvidos da população, em uma operação em que o
Juiz defende publicamente o “uso” pelo judiciário da imprensa na
conquista do apoio da opinião pública, e que desde o início deveria ter
sido chamada de “Queijo Suíço”, para ressaltar o seu caráter de
inquérito mais vazado da história do Brasil.
Finalmente, a pergunta que não quer calar é a seguinte: se Paulo
Roberto Costa tivesse dito que Marcelo Odebrecht tratava diretamente com
ele de propina, ou lhe entregava pessoalmente dinheiro, o trecho teria
sido cortado da transcrição de seu depoimento? Ou acabaria “vazando” e
sendo amplamente divulgado pelos jornais, portais e revistas?
*Mauro Santayanna é jornalista e já atuou como “ghost-writter” de Tancredo Neves.
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