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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O Ministério Público e as “cenas proibidas” da Operação Lava-Jato

Por: *Mauro Santayana
A defesa de Marcelo Odebrecht, detido no contexto da Operação Lava-Jato, pediu a reabertura do inquérito – que já entra na fase de julgamento – depois que descobriu que trecho do depoimento em vídeo feito pelo delator “premiado” Paulo Roberto Costa em que ele eximia Odebrecht de participação direta no esquema de propina foi omitido na transcrição feita pelo Ministério Público, e encaminhada ao Juiz Sérgio Moro, ainda antes da prisão do empresário.
 “Se a declaração completa estivesse nos autos, obviamente teria inibido o juiz a determinar a realização de buscas e apreensões e a prisão de uma pessoa que foi inocentada por aquele que é apontado como coordenador das condutas criminosas no âmbito da Petrobras”, declarou o advogado Nabor Bulhões, que solicitou acesso a todos os outros depoimentos em vídeo que citem seu cliente, para se assegurar que eles não foram alterados e correspondem às transcrições.
Em resposta à solicitação, o Juiz Sérgio Moro disse que “processo anda para frente” e deu a entender que não se pode voltar a etapas já encerradas para mudar essa questão. E o Ministério Público, por intermédio do Procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, deu a entender que a transcrição não é literal devido ao termo de declarações ser “fidedigno” porque “sua função é resumir os principais pontos do que foi dito”.    
Ao agir como o fez, o MP promove censura subjetiva ao alterar o teor das declarações, quase como se cortasse cenas “proibidas” de um filme inadequado para certos tipos de público. Quem deverá julgar o que é importante ou não no depoimento dos delatores da Operação Lava-Jato é a sociedade brasileira, no final desse processo interminável que parece pretender se tornar um fator de intervenção permanente no processo político brasileiro.
Principalmente porque, como ocorreu no caso do “mensalão”, ele se sustenta, básica e exatamente, nisso: mais em delações “premiadas” e em distorcidas interpretações de teorias como a do Domínio do Fato, do que em provas concretas.   
Cada cidadão brasileiro deve ter o direito de ver, como um strip-tease perverso – e ter a possibilidade de interpretar do jeito que lhe apeteça – cada detalhe, cada palavra dita, cada suspiro entre frases, cada insinuação, cada sugestão, cada levantar de sobrancelha, de cada um dos presentes em cada audiência em que se procederam essas  “delações”. Subjetivamente, se for o caso. Emocionalmente. Do mesmo jeito que esses mesmos “depoimentos” – e provas discutíveis, cheias de “se”, de ilações e de condicionantes – têm sido produzidas, aceitas, interpretadas e julgadas pelos procuradores e o juiz da Operação Lava-Jato.
A esses senhores não lhes foi facultado o direito de cortar ou alterar um segundo, ou de decidir, de per si, o que é ou não relevante na fala de cada “delator”. Qualquer corte nesses depoimentos poderá ser interpretado como uma tentativa de manipulação e de grave alteração das provas que estão, ou deveriam estar – registradas, protegidas e incólumes – à disposição da justiça e da própria História.
Não é aceitável que, em uma operação como a Lava-Jato, que se sustenta quase que totalmente no disse me disse de bandidos, muitos dos quais já se encontram, na prática, em liberdade, ainda se alterem os depoimentos transcritos em desfavor de citados que podem estar sendo caluniados ou vir a ser condenados devido a essas mesmas delações. Nesse caso, cada palavra é preciosa, e pode ser fundamental para a defesa dos réus em instâncias superiores às quais eles têm o direito de recorrer, e certamente recorrerão, no futuro. Está muito equivocado o MP, quando pretende restringir o que deve ser ou não divulgado ao que “interessa” ou não “interessa” à investigação.
Há muito a Operação Lava-Jato deixou de ser um mero processo judicial. O que está em jogo, nesse esquema que se imiscuiu, ao ritmo dessas delações, como os antigos inquéritos stalinistas, por todo o país e os mais variados setores da sociedade e da economia brasileiras, é o futuro da Nação e da República. E mais grave ainda, a curtos e médios prazos, o destino direto e indireto de obras, projetos e programas estratégicos para o desenvolvimento nacional, nas áreas de energia, defesa e infra-estrutura, para não falar da sobrevivência da engenharia brasileira e de milhares de trabalhadores que estão perdendo postos de trabalho, porque se confunde o combate a uma ação de corrupção que envolveria teoricamente uma comissão de 3%, com a destruição e a inviabilização, paralisia e sucateamento dos outros 97% que foram efetivamente, inequivocamente, aplicados em equipamentos, obras, empregos, investimentos, com o precioso dinheiro do contribuinte.     
E que não se alegue sigilo de justiça. Porque além de “editar” o que se considera que deve ser omitido, permite-se, paradoxalmente, que se divulgue, seletivamente, por outro lado, o que alguns acham que deva ser levado aos olhos e ouvidos da população, em uma operação em que o Juiz defende publicamente o “uso” pelo judiciário da imprensa na conquista do apoio da opinião pública, e que desde o início deveria ter sido chamada de “Queijo Suíço”, para ressaltar o seu caráter de inquérito mais vazado da história do Brasil.
Finalmente, a pergunta que não quer calar é a seguinte: se Paulo Roberto Costa tivesse dito que Marcelo Odebrecht tratava diretamente com ele de propina, ou lhe entregava pessoalmente dinheiro, o trecho teria sido cortado da transcrição de seu depoimento?  Ou acabaria “vazando” e sendo amplamente divulgado pelos jornais, portais e revistas?
*Mauro Santayanna é jornalista e já atuou como “ghost-writter” de Tancredo Neves.

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