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sábado, 23 de janeiro de 2016

‘Não cabe ao Ministério Público vender revista’

Do Blog da Cidadania
O promotor de Justiça de São Paulo Cassio Conserino procurou a revista Veja para anunciar publicamente que já teria "indícios suficientes para denunciar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo crime de lavagem de dinheiro em investigação sobre um apartamento triplex que tinha sido reservado pela construtora OAS para a família do ex-presidente".
A avaliação do promotor do Ministério Público estadual foi informada pela revista "Veja" na sexta-feira (22) no site da publicação.
Na avaliação do doutor em Direito, também titulado na Alemanha, professor de Direito na Escola Superior do MP do DF e ex-conselheiro nacional do Ministério Público até o ano passado (2010-2015), Luiz Moreira, a conduta do promotor paulista revela o contrário do que ele diz.
Ou seja: ao procurar a imprensa para fazer essa "denúncia", além de o promotor Cassio Conserino ter cometido uma infração funcional também teria deixado claro que não tem nada contra o ex-presidente. Estaria, pois, apenas em busca de holofotes. E, pior, em busca de constranger não só o MP-SP, mas, também, o Judiciário paulista.
O Blog entrevistou Moreira para entender a questão.
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Blog da Cidadania – o que acha da iniciativa de um promotor paulista de procurar a revista Veja – notória por seu antipetismo – para afirmar que teria elementos para acusar o ex-presidente Lula de "lavagem de dinheiro"?
Luiz Moreira – A sociedade brasileira investiu muito das suas expectativas no Ministério Público. Não é papel da instituição, portanto, vender revista, vender jornal. Se o promotor de Justiça tem algum elemento, ele deve se manifestar propondo a ação.
Essa entrevista que ele dá à Veja tem o único propósito de tumultuar o processo, desprestigiando o Ministério Público e causando uma pressão sobre o Judiciário. Ele, com isso, quer criar um fato para justificar sua conduta.
Esse senhor está colaborando para o desprestígio do Ministério Público e pressionando o Judiciário para compartilhar a opinião dele. Não cabe ao Ministério Público vender revista, não cabe ao Ministério Público alardear um feito antes sequer do oferecimento de eventual denúncia.
Esse tipo de conduta desse promotor vem sendo absolutamente rechaçada pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Vale informar, aliás, que esse é um tema pacificado no Conselho. Ou seja: comete infração disciplinar o membro do Ministério Público que, antes de oferecer uma denúncia, a compartilha com os meios de comunicação.
Esse entendimento do CNMP decorre de que esse tipo de conduta atrapalha o processo e, assim, é um desserviço ao Ministério Público e colabora para seu desprestígio. Sem falar que constrange o Judiciário.
Blog da Cidadania – A conduta desse promotor permite alguma representação contra ele?
Luiz Moreira – Hoje, no Conselho Nacional do Ministério Público é absolutamente pacífico o entendimento segundo o qual a conduta desse promotor gera responsabilização administrativa. Isto é, ele vai responder administrativamente pela conduta despropositada que assumiu.
Ele atuou não como promotor de Justiça, mas como alguém que está disposto a vender revista.
Blog da Cidadania – E a quem caberia essa representação?
Luiz Moreira – Ao ex-presidente Lula, que é o citado. Ele pode representar ao Ministério Público de São Paulo. Mas, também, a Corregedoria do MP-SP ou a do Conselho Nacional do Ministério Público, que pode agir "de ofício".
Blog da Cidadania – Você diz que a condenação de atitudes como essa desse procurador já se tornou comum no Ministério Público. Por favor, explique melhor essa questão.
Luiz Moreira – Sim, é um entendimento pacífico, ou seja, não há mais divergência no MP de que esse tipo de conduta é reprovável e punível disciplinarmente. O Conselho Nacional do Ministério Público tem reiteradas jurisprudências, tem tomado reiteradas decisões que entendem que um membro do MP só pode falar, só pode dar entrevista após a propositura de uma ação.
Promotor não pode se antecipar – como é o caso desse promotor que acusou o ex-presidente Lula – dando uma entrevista cujo único propósito é chamar holofotes para uma questão. Nesse caso, nem se sabe se ele proporá mesmo a ação. Pode ser que daqui a uma semana, um mês, ele chegue ao entendimento de que não há elementos para propor a ação.
Com essa atitude, o promotor em questão trouxe um dano à pessoa imputada – no caso, o ex-presidente Lula – e deslegitimou uma instituição tão importante para nós, sociedade, como é o Ministério Público.
Então, o que é que o Conselho Nacional do Ministério Público tem feito? Tem punido esse tipo de conduta por acreditar que, um, deslegitima a ação da instituição e, dois, cria atrito com o Poder Judiciário.
Blog da Cidadania – Pelo que deu a entender, independentemente de esse procurador levar ou não a ação adiante e de ter ou não elementos para tanto, ele cometeu uma infração ao ir à imprensa antes de apresentar a denúncia e, de qualquer forma, pode ser punido por isso por ação do prejudicado (Lula) ou das corregedorias do MP-SP ou do CNMP. É isso?
Luiz Moreira – Exatamente. Esse é um tipo de conduta que o CNMP tem rechaçado desde a sua fundação. Ou seja, não é papel do Ministério Público alardear uma ação antes que seja proposta. Ele poderia propor a ação e, após a propositura da ação, torná-la pública, até para fins de aprendizado da sociedade.
Nesse caso, não. O único propósito desse promotor é tumultuar a questão. O que ele pretende com isso? Ele não é jornalista. Ele não é pago pelo Estado para produzir manchetes e criar clima político antes de revelar de que elementos dispõe e, com o ingresso da ação no Judiciário, mostrar que se trata de um caso sério.
Blog da Cidadania – Não dá para acreditar que esse promotor não saiba de tudo isso. Então, qual é a intenção dele?
Luiz Moreira – Antes de propor a ação, ele cria uma "onda" na opinião pública. Então, o que é que o juiz que julgará eventual ação proposta pode fazer? Ao recusar uma ação sem elementos, porém tão alardeada, o juiz cria uma tensão entre o MP e o Judiciário.
O promotor Cassio Conserino não está preocupado com isso. Ele quer holofotes, quer aparecer subindo nos ombros de um ex-presidente da República, o que, por si só, torna impossível que ele não apareça na mídia.
Blog da Cidadania – Que tipo de elementos contra Lula esse promotor pode ter, já que ele acusa o ex-presidente de ter "lavado dinheiro" com a compra de um apartamento que sequer se concretizou?
Luiz Moreira – Ele não tem é nada. O que ocorre no MP? Quando é que o promotor de Justiça dá entrevista? Ora, para não atrapalhar a ação ele aguarda, adota uma conduta estritamente técnica, apura o fato.
E por que ele tem cuidado? É porque ele não quer que vase nada para não estragar a propositura da ação. Então, ele guarda recato, propõe a ação e após essa propositura ele se manifesta publicamente.
O que é que a experiência tem demonstrado? É que, quando não há fatos, ocorre o que esse promotor fez: não faz a denúncia, mas ocupa a mídia para ter momentos de fama que suas investigações não proporcionariam por falta, justamente, de elementos.
Blog da Cidadania – Há que acreditar, portanto, que o Judiciário não embarcará nessa, certo?
Luiz Moreira – Essa falta de cuidado que o promotor está revelando tem um significado muito importante, de que não há, de fato, elementos. E, não havendo elementos, a Justiça agirá de acordo. Se a denúncia fosse feita sem elementos, como se vê que seria, com ou sem constrangimento por parte do promotor em questão ela não seria recebida pelo Judiciário paulista. Por isso, é provável que nem venha a ser feita denúncia alguma.
É isso o que revela a atitude desse promotor.

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