247 - O intelectual
Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia da USP, questiona
a agenda dos protestos de 15 de março, como se a eliminação do PT – e
não a revisão das causas que apodreceram o sistema político brasileiro –
fosse o suficiente para sanar o País de todos os seus males.
Embora dê razão a quem se revoltou,
ele afirma que deve-se buscar as causas da corrupção, e não apenas seus
sintomas. "Tratar o sintoma não é a solução. Meias medidas são meros
paliativos. É preciso chegar às causas. Venceremos a corrupção quando
ela parar de servir de pretexto político de um lado contra o outro e for
mesmo repudiada pela maior parte da população. Não é o caso – ainda",
diz ele.
No texto, ele também questiona a
indignação seletiva. "Por que tantos querem que a investigação foque só o
PT? A apuração não deve ser ampla, geral e irrestrita?".
Leia, abaixo, a íntegra:
Tem razão quem se revolta
As legítimas manifestações de 15 de março caíram no engodo de construir um Outro demoníaco, aquele que acabou com o que era doce
"On a raison de se révolter", dizia o
filósofo francês Jean-Paul Sartre no fim da vida, quando, depois de
maio de 1968, se cansou de esperar que o Partido Comunista se
consertasse e fez causa comum com os maoistas. Não é fácil traduzir a
frase de Sartre. Seria algo como "tem razão quem se revolta".
Mas qual razão, quanta razão? Eu
diria que é a razão do sintoma: sente-se a dor, procura-se a infecção,
mas queixar-se não é diagnosticar a doença, menos ainda curá-la. O
último dia 15 de março foi isso. A queixa é correta, o tecido social
está sofrendo, mas diagnóstico e prognóstico ficaram pela metade.
A queixa: não se aguenta mais a
corrupção. O caso da Petrobras mostra uma crise grave em uma de nossas
maiores empresas. Pior, uma empresa que pertence a todos nós. Muito
resta a explicar, da falta de controle à pura indecência. Como o PT foi
entre tolerante e partícipe do processo, ele se torna a bola da vez.
A dor: como fizeram isso com nosso país? E o erro: fizeram, quem? Isso, o quê? Nosso, de nós, quem? Aqui está o problema.
Quem "fizeram" é só o PT ou, mais
que ele, o PP ou, ainda mais, um sistema político que se acostumou a ser
eficiente pela via da desonestidade? Porque há um subtexto em nossa
sociedade que diz: resolva o problema, "não quero saber como".
Não queremos saber como funcionam as
coisas, desde que elas funcionem. Vejam o que chamamos de "segurança
pública". Ela depende muito da violência policial contra inocentes. Não
queremos saber a que custo reina alguma paz em nossos bairros. O preço
dessa paz é a violência contra três Ps: pobres, pretos e putas.
Ainda que insuficiente, a eficiência
que o Estado consegue deve-se, em vários casos, ao "não quero nem
saber". Só que agora está emergindo o iceberg inteiro. Nós nos
acostumamos ao "por fora bela viola, por dentro pão bolorento";
fingíamos que não havia bolor, mas ele está aparecendo. Tanto no Metrô
de São Paulo como na Petrobras.
O avanço da democracia desnuda esse
preço, esse bolor. Há uma reação tola: não quero saber do preço. Um dos
modos dessa reação é carimbar um culpado bem afastado de nós. O PT
cumpre hoje esse papel de demônio, que já foi de Getúlio Vargas. Assim
se afasta de nós esse cale-se. Somos poupados.
As manifestações do dia 15 de março,
legítimas na medida em que "tem razão quem se revolta" (mas alguma
razão, não toda), caíram no engodo de construir um Outro demoníaco,
aquele que acabou com o que era doce. O passado fica como uma idade,
senão de ouro, pelo menos de prata.
Um teste simples: se alguém contesta
os males atuais em nome de um passado que teria sido melhor, essa
pessoa está pelo menos mal informada. Nossa história tem podres que mal
começamos a enxergar.
O presente pode parecer horrível,
mas só porque expôs a chaga purulenta. O bom que era doce se assentava
em mentiras. Aumentaram as mentiras? Ou, na sociedade da informação, é
mais fácil descobri-las do que antes? O mensalão do DEM teria sido
exposto, não fosse uma microcâmera escondida? Delações premiadas
funcionariam se os cúmplices mantivessem a lealdade dos mafiosos, que
morrem, mas não falam?
Sem uma força-tarefa como a da
Operação Lava Jato, teriam sido pegos? Quem deve teme. Por que tantos
querem que a investigação foque só o PT? A apuração não deve ser ampla,
geral e irrestrita?
Tratar o sintoma não é a solução.
Meias medidas são meros paliativos. É preciso chegar às causas.
Venceremos a corrupção quando ela parar de servir de pretexto político
de um lado contra o outro e for mesmo repudiada pela maior parte da
população. Não é o caso – ainda.
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