Kotscho questiona: onde está a ameaça à liberdade?
Ricardo Kotscho
Antes de começar a escrever na manhã
desta quarta-feira, olho debaixo da mesa, abro as portas dos armários,
tiro os livros das estantes, tomo todos os cuidados para me certificar
de que não tem nenhum agente secreto à espreita querendo cercear minha
liberdade de expressão.
De onde ressurgiu de repente
esta síndrome de pânico da censura, que desaparecera da minha vida em
1975, quando o general-presidente Ernesto Geisel fez o favor de tirar
seus homens das oficinas do centenário Estadão, onde eu trabalhava e
eles por sete anos cortavam as matérias que a gente escrevia?
Acho que fiquei muito impressionado
com as ameaças que ouvi de alguns colegas na noite da entrega dos
prêmios aos "Cem mais Admirados Jornalistas Brasileiros", uma iniciativa
das empresas Jornalistas&Cia. e Maxpress, baseada numa pesquisa
feita junto a 2 mil executivos de Comunicação Corporativa num universo
de 55 mil profissionais em atividade no país.
Segundo alguns destes profissionais
admirados e premiados que, sem citar fatos nem entrar em maiores
detalhes, fizeram discursos inflamados sobre a gravidade do momento para
a nossa profissão, diante das ameaças governamentais à liberdade de
imprensa e expressão, a volta da censura estava logo ali na esquina, com
as tropas só esperando uma ordem para invadir as redações, como fizeram
na noite de 13 de dezembro de 1968 no Estadão, quando boa parte dos 600
convidados que lotavam o salão do Clube Homs, na avenida Paulista, nem
havia nascido ou não tinha a menor ideia do que foi o Ato Institucional
Nº 5.
A partir do alerta sobre os perigos
iminentes feito por um colega de Brasília, cujo nome não me lembro,
vários outros premiados viram-se como que na obrigação de também tocar
no assunto, na mesma linha de editoriais e colunas publicados nos
últimos tempos pela imprensa familiar tucana, na linha de "o preço da
liberdade é a eterna vigilância", a máxima do udenismo que voltou à moda
na recente campanha eleitoral.
De onde tiraram isso? Não encontro
nenhuma razão objetiva, nenhum fato novo concreto, qualquer sinal de que
a liberdade de imprensa esteja correndo perigo no Brasil, um país que
vive hoje o mais longo período democrático e de pleno respeito às
liberdades públicas da nossa História.
Gostaria que me citassem um só caso
em que a liberdade dos jornalistas e das suas empresas sofreu qualquer
restrição por parte do governo federal, direta ou indiretamente, desde a
posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2003,
quando eu era o Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da
República.
Já naquela época, qualquer tentativa
de se debater a necessidade da criação de um novo marco regulatório
para as comunicações sociais, que vivem a mais profunda revolução desde a
invenção da prensa de Gutemberg, faz mais de 500 anos, era
imediatamente taxada de tentativa de controlar a imprensa e promover a
volta da censura. Só para lembrar: a legislação em vigor data do tempo
da televisão em branco e preto, lá nos idos dos anos 1960. Para os
barões da mídia, que continuam os mesmos daquele tempo, é simplesmente
proibido tocar neste assunto.
Pensei em falar disso quando me
chamaram ao palco, já perto da meia noite. Mas, como cada "admirado" só
tinha 15 segundos para os agradecimentos, e eu estava acompanhado de
alguns dos meus netos, todos nós com sono, achei melhor deixar para lá, e
curtir o resto da festa.
Só resolvi escrever sobre este
assunto agora, depois de ler nota publicada no Observatório da Imprensa
pelo meu amigo Luciano Martins Costa, um dos premiados, sob o título "O
fantasma bolivariano". Faço minhas as palavras do sempre brilhante
colega, que também não entrou na onda do efeito manada assustada daquela
noite, e foi o único a registrar o que aconteceu em sua coluna:
"Na hora dos agradecimentos, foi das
mesas onde se concentravam figuras conhecidas das grandes empresas de
comunicação que brotaram os raros discursos com teor político: como num
jogral, personalidades da escrita, do rádio e da TV desfiaram no palco
seus temores e seu repúdio a uma suposta ameaça à liberdade de imprensa,
que estaria pairando sobre o universo midiático. Foi quase um manifesto
de solidariedade ao credo patronal: o Brasil estaria à beira de ver
ressuscitar a censura do período militar, agora por conta de um regime
"bolivariano" em Brasília".
"As frases de sentido dúbio
insinuavam esta aleivosia, que vem sendo repetida por outros jornalistas
menos categorizados do que aqueles _ os pitbulls remunerados
para radicalizar o discurso partidário da imprensa _ colocando
respeitados profissionais no papel pouco edificante de incutir naquele
ambiente festivo um viés que _ por imposição ética do jornalismo _ só
deve ser exposto em circunstância que permita o contraditório".
"Além do mais, foi uma manifestação
de pouca educação, visto estarem todos ali para uma celebração, não para
uma dessas passeatas que levam à Avenida Paulista os desafetos da
democracia".
"A demonstração de corporativismo em
seu sentido mais raso teve frases de efeito que beiravam a sabujice.
Mas nada disso estragou a festa. O evento de Jornalistas&Cia. talvez
seja o último lugar onde jornalistas brasileiros postados em campos
ideológicos opostos podem trocar amabilidades, ainda que alguns não
tenham entendido o espírito da coisa".
Nada tenho a acrescentar ou objetar.
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