Cansadas de esperar pelas novas habitações, famílias de Barreiros, Palmares e Água Preta voltaram a morar nas margens do Rio Una
Wagner Sarmento (NE 10)
É ali, às margens do Una, em Barreiros, que Maria Aparecida Matos abate a galinha que vai para a mesa. Evita olhar a água. A correnteza embala sua pior lembrança
Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem
As cidades da Mata Sul
atingidas pela enchente de junho de 2010 vivem entre a espera e o medo. A
histórica cheia levou casas, móveis, pertences e uma paz que ainda não
foi devolvida. Das 15.342 unidades habitacionais previstas pela Operação
Reconstrução, somente 3.132 estão com os novos moradores, três anos
depois. O prazo para entrega era março do ano passado. Cansados de
aguardar o teto prometido, em discurso efusivo, pelo governador Eduardo
Campos, ribeirinhos voltaram ao endereço da tragédia. Retomaram a
vizinhança com o perigo e passaram a viver em condições precárias, em
residências capengas às margens do Rio Una. Muito já foi reconstruído,
mas a burocracia trava o retorno à normalidade.
Barreiros é o município em que a
reconstrução caminha a passos mais lentos. A Ponte Maria Amália, que dá
acesso à região central, ainda não ficou pronta. As vigas enferrujaram.
Simbolizam a demora. Uma passarela estreita foi erguida enquanto a obra
não é finalizada. A Ponte Baité, que liga a vila de mesmo nome ao resto
da cidade, também se arrasta. Ainda hoje, o cenário é paliativo: balsas
atravessam centenas de pessoas por dia, um exercício de paciência e
perigo. Estudantes precisam pegar a embarcação para ir à Escola de
Referência Anthenor Guimarães. “Quando o rio sobe, a barca não passa”,
conta Aldemir José da Silva, 23 anos, que trabalha como atravessador e
ganha R$ 600 mensais.
Pelas ruas, a impressão que dá é que o
tempo não passou. Entulhos podem ser vistos a cada esquina. Imóveis sem
telhado, portas e janelas denunciam o passado do qual a cidade não
consegue desatar. O tráfego ainda sofre com desvios e improvisos.
Em Palmares, o Hospital Regional,
destruído pela enchente, foi reerguido em outro local, livre de risco e
numa área duas vezes maior. O antigo prédio, no entanto, não foi
demolido. Sem iluminação, atolado de mato e destroços, virou ponto de
tráfico e consumo de drogas à noite.
Um ano atrás, o governo do Estado
apresentou projeto de revitalização da orla do Una em Palmares, com
calçadão, ciclovia, pista de cooper e jardins, numa faixa de 1,1
quilômetro. A promessa era terminar a obra até o fim de 2012. A
reportagem esteve lá quarta-feira. Nada foi feito. A orla é só
escombros.
Em Barreiros, Palmares e Água Preta, a
teimosia do povo é remédio contra a lentidão do poder público. Só 20,41%
das habitações prometidas foram entregues. A solução foi fazer o
caminho de volta para o que sobrou das antigas casas, às margens do Una,
foz de seus dramas e pesadelos.
Sandro Gonçalves da Silva, 38, morava na
beira do rio com a esposa e cinco filhos. Perdeu tudo na cheia de
Barreiros. Roupas, móveis e eletrodomésticos. Bombeiro voluntário, se
danou a ajudar outras pessoas. Ficou ilhado em cima do Hospital Maria
Amália, sem comer e beber por 16 horas. Afirma que foi cadastrado para
ganhar uma moradia, mas nada de ser chamado. Viu-se obrigado a voltar
para a mesma casa, no meio do nada, entre dois terrenos onde os imóveis
não existem mais. “Prometeram a casa e até agora, nada. O jeito é se
arriscar. Por outro lado, não posso nem reformar aqui, porque vão
demolir depois. Nossa vida é um sofrimento”, diz. No quintal, quase
beijando o rio, Maria Aparecida Matos, 26, sua mulher, prepara o frango
do almoço.
Perto dali, no Tibiri, a aposentada
Cícera Amara Ferreira, 75, corre para o quintal no primeiro chuvisco. O
trauma grita e ela se põe a estudar, com a sabedoria dos anos, se a água
do Rio Una está subindo. A vizinha já se mudou para uma casa nova.
Cícera, com o marido José Minervino da Silva, 78, quase sem andar por um
problema no pé decorrente da diabete, ainda não. O banheiro afundou. “A
gente não tem mais idade para passar por isso. Os bons já foram embora.
Nós somos os derradeiros. Se der outra cheia, não vamos conseguir nem
correr”, lamenta.
Em Palmares, na Rua Dr. Costa Maia, o
drama é o mesmo. A enchente quase cobriu o primeiro andar do imóvel da
técnica de enfermagem Lucicleide Maria da Silva, 45. Em meio à longa
espera, retornou para a margem do rio, para a casa repleta de
rachaduras. “Fiz vistoria há um ano na casa nova e ninguém chama. Minha
sogra já ganhou a dela. Estou ciente do risco, mas não tenho para onde
ir”, conta.
Não é diferente em Água Preta. O
agricultor Ginaldo Monção da Silva, 43, teve que colocar uma viga no
meio da cozinha para o teto não desabar. A residência, bem em cima da
barreira para dá para o Rio Una, corre o risco de ser engolida pelo
barranco quando a chuva engrossa. Dois filhos estão com a avó materna,
com medo de voltar para casa. “A prefeitura prometeu botar uma lona, mas
eu quero a casa. Minha mãe morava do outro lado do rio. Morreu há dois
meses sem ganhar a casinha que o governador prometeu”, frisa. “Ninguém
dá prazo. Esperamos e corremos perigo”, completa Rosilene Pedrosa, 28,
sua esposa.
GOVERNO
O governo do Estado afirma que as obras
estão atrasadas, mas não esquecidas. O principal entrave para a
construção das casas, explica o secretário de Planejamento e Gestão,
Fred Amancio, é a topografia dos terrenos onde os habitacionais estão
sendo erguidos – em áreas de morro, longe do Rio Una. A terraplenagem
demora mais que as obras em si. Apesar de o cronograma não ter sido
cumprido, a garantia é que até março do ano que vem todas as 15.342
prometidas serão entregues. O presidente da Companhia Estadual de
Habitação e Obras (Cehab), Flávio Figueiredo, assegurou que, até agosto
deste ano, 9.620 estarão prontas.
“Além de tudo, tivemos problemas de
ordem jurídica com a Caixa Econômica. Antes, eles vinham flexibilizando,
mas depois disseram que só entregariam as habitações após a
regularização fundiária e uma infraestrutura definitiva. Mas negociamos e
conseguimos um acordo”, diz Figueiredo. Houve também inconvenientes com
construtoras.
Em relação às duas pontes ainda em
construção em Barreiros, o secretário da Casa Militar, coronel Mário
Cavalcanti, argumenta que a empresa que ganhou a primeira licitação
começou a atrasar e acabou suspensa. Novo processo foi feito. O
compromisso é concluir a Ponte Baité até julho e a Maria Amália, até
agosto.
A prometida orla do Una em Palmares tem
novo prazo: março de 2014. A licitação já foi concluída. A demora,
segundo Fred Amancio, se deu por causa da dragagem do rio. “O mais
importante é que nenhum compromisso assumido foi cancelado”, enfatiza o
secretário.
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