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domingo, 2 de junho de 2013

TRÊS ANOS DEPOIS DA ENCHENTE NA MATA SUL, SÓ 20% DAS CASAS PROMETIDAS FORAM ENTREGUES


Cansadas de esperar pelas novas habitações, famílias de Barreiros, Palmares e Água Preta voltaram a morar nas margens do Rio Una

Wagner Sarmento (NE 10)

É ali, às margens do Una, em Barreiros, que Maria Aparecida Matos abate a galinha que vai para a mesa. Evita olhar a água. A correnteza embala sua pior lembrança / Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem

É ali, às margens do Una, em Barreiros, que Maria Aparecida Matos abate a galinha que vai para a mesa. Evita olhar a água. A correnteza embala sua pior lembrança

Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem

As cidades da Mata Sul atingidas pela enchente de junho de 2010 vivem entre a espera e o medo. A histórica cheia levou casas, móveis, pertences e uma paz que ainda não foi devolvida. Das 15.342 unidades habitacionais previstas pela Operação Reconstrução, somente 3.132 estão com os novos moradores, três anos depois. O prazo para entrega era março do ano passado. Cansados de aguardar o teto prometido, em discurso efusivo, pelo governador Eduardo Campos, ribeirinhos voltaram ao endereço da tragédia. Retomaram a vizinhança com o perigo e passaram a viver em condições precárias, em residências capengas às margens do Rio Una. Muito já foi reconstruído, mas a burocracia trava o retorno à normalidade.
Barreiros é o município em que a reconstrução caminha a passos mais lentos. A Ponte Maria Amália, que dá acesso à região central, ainda não ficou pronta. As vigas enferrujaram. Simbolizam a demora. Uma passarela estreita foi erguida enquanto a obra não é finalizada. A Ponte Baité, que liga a vila de mesmo nome ao resto da cidade, também se arrasta. Ainda hoje, o cenário é paliativo: balsas atravessam centenas de pessoas por dia, um exercício de paciência e perigo. Estudantes precisam pegar a embarcação para ir à Escola de Referência Anthenor Guimarães. “Quando o rio sobe, a barca não passa”, conta Aldemir José da Silva, 23 anos, que trabalha como atravessador e ganha R$ 600 mensais.
Pelas ruas, a impressão que dá é que o tempo não passou. Entulhos podem ser vistos a cada esquina. Imóveis sem telhado, portas e janelas denunciam o passado do qual a cidade não consegue desatar. O tráfego ainda sofre com desvios e improvisos.
Em Palmares, o Hospital Regional, destruído pela enchente, foi reerguido em outro local, livre de risco e numa área duas vezes maior. O antigo prédio, no entanto, não foi demolido. Sem iluminação, atolado de mato e destroços, virou ponto de tráfico e consumo de drogas à noite.
Um ano atrás, o governo do Estado apresentou projeto de revitalização da orla do Una em Palmares, com calçadão, ciclovia, pista de cooper e jardins, numa faixa de 1,1 quilômetro. A promessa era terminar a obra até o fim de 2012. A reportagem esteve lá quarta-feira. Nada foi feito. A orla é só escombros.
Em Barreiros, Palmares e Água Preta, a teimosia do povo é remédio contra a lentidão do poder público. Só 20,41% das habitações prometidas foram entregues. A solução foi fazer o caminho de volta para o que sobrou das antigas casas, às margens do Una, foz de seus dramas e pesadelos.
Sandro Gonçalves da Silva, 38, morava na beira do rio com a esposa e cinco filhos. Perdeu tudo na cheia de Barreiros. Roupas, móveis e eletrodomésticos. Bombeiro voluntário, se danou a ajudar outras pessoas. Ficou ilhado em cima do Hospital Maria Amália, sem comer e beber por 16 horas. Afirma que foi cadastrado para ganhar uma moradia, mas nada de ser chamado. Viu-se obrigado a voltar para a mesma casa, no meio do nada, entre dois terrenos onde os imóveis não existem mais. “Prometeram a casa e até agora, nada. O jeito é se arriscar. Por outro lado, não posso nem reformar aqui, porque vão demolir depois. Nossa vida é um sofrimento”, diz. No quintal, quase beijando o rio, Maria Aparecida Matos, 26, sua mulher, prepara o frango do almoço.
Perto dali, no Tibiri, a aposentada Cícera Amara Ferreira, 75, corre para o quintal no primeiro chuvisco. O trauma grita e ela se põe a estudar, com a sabedoria dos anos, se a água do Rio Una está subindo. A vizinha já se mudou para uma casa nova. Cícera, com o marido José Minervino da Silva, 78, quase sem andar por um problema no pé decorrente da diabete, ainda não. O banheiro afundou. “A gente não tem mais idade para passar por isso. Os bons já foram embora. Nós somos os derradeiros. Se der outra cheia, não vamos conseguir nem correr”, lamenta.
Em Palmares, na Rua Dr. Costa Maia, o drama é o mesmo. A enchente quase cobriu o primeiro andar do imóvel da técnica de enfermagem Lucicleide Maria da Silva, 45. Em meio à longa espera, retornou para a margem do rio, para a casa repleta de rachaduras. “Fiz vistoria há um ano na casa nova e ninguém chama. Minha sogra já ganhou a dela. Estou ciente do risco, mas não tenho para onde ir”, conta.
Não é diferente em Água Preta. O agricultor Ginaldo Monção da Silva, 43, teve que colocar uma viga no meio da cozinha para o teto não desabar. A residência, bem em cima da barreira para dá para o Rio Una, corre o risco de ser engolida pelo barranco quando a chuva engrossa. Dois filhos estão com a avó materna, com medo de voltar para casa. “A prefeitura prometeu botar uma lona, mas eu quero a casa. Minha mãe morava do outro lado do rio. Morreu há dois meses sem ganhar a casinha que o governador prometeu”, frisa. “Ninguém dá prazo. Esperamos e corremos perigo”, completa Rosilene Pedrosa, 28, sua esposa.
GOVERNO
O governo do Estado afirma que as obras estão atrasadas, mas não esquecidas. O principal entrave para a construção das casas, explica o secretário de Planejamento e Gestão, Fred Amancio, é a topografia dos terrenos onde os habitacionais estão sendo erguidos – em áreas de morro, longe do Rio Una. A terraplenagem demora mais que as obras em si. Apesar de o cronograma não ter sido cumprido, a garantia é que até março do ano que vem todas as 15.342 prometidas serão entregues. O presidente da Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab), Flávio Figueiredo, assegurou que, até agosto deste ano, 9.620 estarão prontas.
“Além de tudo, tivemos problemas de ordem jurídica com a Caixa Econômica. Antes, eles vinham flexibilizando, mas depois disseram que só entregariam as habitações após a regularização fundiária e uma infraestrutura definitiva. Mas negociamos e conseguimos um acordo”, diz Figueiredo. Houve também inconvenientes com construtoras.
Em relação às duas pontes ainda em construção em Barreiros, o secretário da Casa Militar, coronel Mário Cavalcanti, argumenta que a empresa que ganhou a primeira licitação começou a atrasar e acabou suspensa. Novo processo foi feito. O compromisso é concluir a Ponte Baité até julho e a Maria Amália, até agosto.
A prometida orla do Una em Palmares tem novo prazo: março de 2014. A licitação já foi concluída. A demora, segundo Fred Amancio, se deu por causa da dragagem do rio. “O mais importante é que nenhum compromisso assumido foi cancelado”, enfatiza o secretário.

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