Batidas na mesa, vociferação e referências tanto
ao mártir da cristandade como ao genocida austríaco; isso depois de um
voto proferido durante quase três horas no plenário do STF; Gilmar
Mendes tentou de tudo para fazer valer sua liminar de "controle
preventivo e repressivo" sobre o Congresso, como ele mesmo definiu; mas
não deu certo; em maioria, juízes divergiram e mantiveram intacta a
independência entre os poderes; projeto de lei com novas regras sobre
criação de partidos políticos continuará a tramitar no Senado
247 – O ministro Gilmar Mendes, por pouco, não
perdeu a linha. Nem mesmo durante a Ação Penal 470, no julgamento de
mais longa duração do Supremo Tribunal Federal, se viu Mendes tão
enfático – e até mesmo rude e ruidoso – como nesta quinta-feira
13. Depois de proferir na véspera um voto de quase três horas, que tomou
toda a primeira parte da sessão do STF, ele não se furtou a interromper
votos de colegas para fazer valer seu ponto de vista. Deu espetáculo.
Gilmar Mendes bateu na mesa, elevou a voz, apontou o dedo para os
colegas, apelou a Jesus Cristo e, indiretamente, comparou os que
divergiram a "Hitler, que não precisou de lei nenhuma, fez tudo por
decreto". Ele insistiu, quando ainda não havia maioria contra a sua
liminar, que barrou no Senado a tramitação do projeto de lei que regula a
criação de novos partidos, no caráter "casuístico" de seu conteúdo.
"Essa é uma lei 'anti-Marina Silva', vamos chamar as coisas pelos seus
devidos nomes", clamou Gilmar. Mas logo ouviu de colegas que não é dado,
ao Poder Judiciário, entrar no mérito de um projeto em tramitação.
"O Judiciário pode muito, mas não pode tudo", observou Ricardo
Lewandowski. Antes, abrindo a divergência, Teori Zavaski foi claro, sem
alterar a própria voz: "As decisões políticas, no plano da formação da
lei, pertencem ao Legislativo, não ao Judiciário", disse.
Ficou claro à maioria dos ministros que a liminar de Gilmar abria o
perigoso precedente de determinar o que o Congresso pode e o que não
pode votar, antes mesmo de isso acontecer. Foram feitas ressalvas de
que, uma vez votado o projeto, os que se considerarem prejudicados
poderão recorrer à Corte. Mas que seria "perigoso", como registrou a
ministra Rosa Weber, o STF, por antecipação, julgar previamente um
projeto. "Esse papel é do Legislativo", confirmou ela.
Durante todo o tempo dos debates, Gilmar Mendes procurou entrar no
mérito do projeto de lei, mas sua tese não convenceu. "Não há
jurisprudência no Supremo para controle prévio de projeto de lei",
lembrou o ministro Marco Aurélio Mello. Até mesmo o presidente Joaquim
Barbosa, considerado um defensor do ativismo do Judiciário, marcou
posição, antes mesmo de dar seu voto, ao entendimento de Gilmar:
"Vivemos num sistema presidencialista com separação de poderes. Num
sistema como esse é bizarra a interferência de uma corte numa
deliberação do Congresso", disse Barbosa.
Nesse contexto, Gilmar ficou em minoria O Supremo mostrou que é, sim,
um risco para a democracia interferir numa tramitação do Legislativo,
seja qual for o conteúdo discutido. Abrir esse precedente, agora, seria
deixar a porta aberta para novas interferências do Judiciário sobre o
Legislativo, provocando um desequilíbrio nefasto para o regime
democrático. O STF se tornaria, na direção apontada pela liminar de
Gilmar, um poder mais forte que os outros dois. De saída, tiraria do
Senado o poder de casa revisora da Câmara dos Deputados.
Preliminarmente, ainda, enfraqueceria o Executivo, cuja hora de ser
submetido ao mesmo preceito da "intervenção preventiva e repressiva"
defendida por Gilmar Mendes fatalmente chegaria.
A partida que o STF jogou, provocado pela liminar de Gilmar Mendes,
terá efeitos de longo prazo. Ficou garantida, nitidamente, a separação
dos três poderes, um conceito basal da democracia que entrou em risco a
partir de um caso específico. Entre tapas na mesa e alteração de voz,
democraticamente, "pela beleza do colegiado", com suas divergências,
como frisou o ministro Marco Aurélio, Gilmar Mendes perdeu. Quem ganhou
foi a democracia brasileira.
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