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sábado, 2 de março de 2013

ARTIGO HOMENAGEM: ZE CAVALCANTI, UM GUERREIRO PARA NÃO ESQUECER


Zé Cavalcanti, um guerreiro para não esquecer.
Meu tio era um homem de conversa envolvente. Visionário, realista, solidário e extremamente humano. Impressionava. Era diferenciado. Parecia entender sobre cada pessoa. Por idealismo, era comprometido e implacável na defesa intransigente dos interesses da cidade que escolheu viver (Jupi). 
Nunca alimentou ódios nem mágoas. Relacionava-se bem até com os mais ferrenhos adversários. Tinha uma mente política ativa e com muita perspicácia.  
27 de outubro de 1971. Nesta data, sem nenhuma conotação política, um ser violento e covarde tirou a vida do meu tio, um jovem de apenas 33 anos.
Morreu, deixando sonhos, esperanças...
O tempo passa. Sou viajante do tempo. Vou e volto. Sempre!
É... Lá se vão 41 anos de saudades e recordações.
No início da década de 60, o Brasil atravessava uma profunda agitação política. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, assumiu seu vice, João Goulart (Jango), um homem de convicções esquerdistas para a então política brasileira.

Faziam parte dos planos de Jango reduzir as desigualdades sociais brasileiras. Entre estas, as reformas bancária, eleitoral, universitária e agrária.

O perfil de Jango preocupou as elites, que temiam uma alteração social que ameaçasse seu poder econômico. Por esta razão, tomaram decisões que enfraqueceram o presidente. A mais famosa foi implantar o parlamentarismo, que, em 1961 e 1962, atribuiu funções do presidente ao Congresso, então dominado por representantes das elites. O regime presidencialista foi restabelecido em 1963 após um plebiscito.

A crise econômica e a instabilidade política avançavam no país. Jango propôs as reformas constitucionais que aceleraram a reação das elites, criando as condições para o golpe de 64. 

Março de 1964. Aconteceu o estopim do golpe militar, quando Jango, após um discurso inflamado no Rio de Janeiro, determinou a reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo.

Imediatamente, a elite reagiu. 

No dia 31 de março os militares iniciam a tomada do poder. No dia 2 de abril, Ranieri Mazilli assumiu a presidência interinamente. Dois dias depois, João Goulart se exilou no Uruguai.

Em 9 de abril, foi editado o AI-1 (Ato Institucional número 1), que depôs o presidente e iniciou as cassações dos mandatos políticos. No mesmo mês, o marechal Castello Branco foi empossado presidente com um mandato até 24 de janeiro de 1967.

A ditadura militar de 1964 criou dois partidos: ARENA (Aliança Renovadora Nacional), da situação, e MDB (Movimento Democrático Brasileiro), da oposição. Os militares convenceram alguns políticos a se filiarem ao MDB. Meu tio, Zé Cavalcanti, entrou no MDB espontaneamente.
Embora a repressão política tenha se iniciado em abril de 1964, tornou-se mais evidente após a edição do Ato Institucional n° 5, em 1968, ao suprimir os direitos de cidadania, dando poderes totalitários ao Sistema que governava o país. Nessa época um simples simpatizante do socialismo era chamado de subversivo. Época de prisões, torturas e mortes. Impuseram o silêncio de toda e qualquer forma, objetivando prevalecer seus interesses. Tempos de muito sofrimento e angústia. Não há exagero no que estou relatando. Nenhum. Tudo isso representa a expressão da realidade daquele período sombrio. Tudo era repressão. Ausência total de liberdade. Nos anos 60 e 70 a desesperança tomou conta de muitos.
47 anos após a instalação do golpe militar, é possível compreender a verdadeira importância da postura de meu tio diante dos desafios que enfrentou numa luta incansável ao lado de Arraes, Brizola e tantos outros em busca do bem comum como horizonte a ser perseguido.

Desde o primeiro instante, de forma aguerrida e corajosa, Zé Cavalcanti, levantou a voz contra os excessos do regime dos generais. 

Ele era dos debates onde fosse possível. Nas ruas, nos sítios estava sempre apoiando os movimentos de resistência ao golpe militar.
Por isso, foi preso. 

Na tortura física, a dor vai além dos limites da força humana. Com o tempo se recupera. Já o trauma psicológico, se carrega para o resto da vida.
Sua atuação em defesa da reconstrução democrática fez dele um patrimônio político do Agreste Meridional de Pernambuco.

Ele ajudou a construir a democracia que aí está consolidada.

Homem de coragem, decidido. Sempre enfrentou os poderosos de maneira desassombrada. 

Recordo-me de um fato significativo. Meu tio era candidato a Prefeito de Jupi e num comício no Centro de Jucati (Distrito de Jupi), enfrentou policiais que foram proibir aquele ato público. 
Numa fração de segundos, percebeu que de sua atitude dependia o futuro daquela caminhada política. Com determinação disse: “Subam no palanque e venham tomar o microfone”. Os soldados entreolharam-se e desorientados se retiraram. Com esta atitude, a força do ideal derrotou o poder da força.

Zé Cavalcanti lutou pela democracia e fez dela uma razão de viver. Daí, os depoimentos a seguir:

Josevalda (filha): Meu pai! O maior orgulho da minha vida!

Júnior, o seu avô (meu pai!), José Cavalcanti de Albuquerque foi um homem que viveu no auge da ditadura militar e, como defensor que era do direito, da verdade, da dignidade, pelo contexto da época, foi um preso político, por defender a mesma causa que Miguel Arraes, sendo um dos seus aliados. Mas ele acreditava, sonhava com a possibilidade de, um dia, cada cidadão poder exercer a sua cidadania com liberdade, participação e dignidade! Você acredita nisso... E eu sinto orgulho por você ser assim! Não importa que o poder pelo poder, que o domínio cerque tanto as pessoas (pq, pra isso, elas são atendidas e presas pelo q significa a sua sobrevivência, e eu culpo o capitalismo!), que ofusque a possibilidade de liberdade, de uma luta livre por dias melhores e mais iguais... Não importa. Continue acreditando, sonhando, ajudando!... Continue respeitando quem tem uma visão diferente de tudo isso (cada um tem seus motivos!), até pq vc defende o direito de ser de cada um, não é? Alguns irão criticar e dar vários nomes a essa luta, não importa! Outros irão aplaudir de forma tímida, pq podem depender de alguma forma de quem detém o poder e não permite essa liberdade... outros irão lutar junto... É a vida! Mas, que haja o respeito às diferenças, às limitações, às escolhas!... Deus o abençoe, meu filho, nesse seu jeito meigo e amigo de ser, nessa sua busca do crescimento, antes de tudo, interior!

Júnior (filho de Josevalda): José Cavalcanti de Albuquerque. Um homem movido pelas duas mãos e o sentimento do mundo.

Izabel Lima (amiga da família): Alguém precisa escrever sobre ELE. Os jovens jupienses merecem conhecer sua história.

Evilasio Pereira (amigo da família): Ele foi um homem de grande importância na política de Jupi!

 Viver é caminhar. A vida é um longo caminho a percorrer. A gente faz o caminho caminhando. Neste caminhar se entrelaçam outros caminhos, com muitos outros caminhantes. Este é o nosso viver. O caminho pode ser cheio de encantos, surpresas, dificuldades e riscos. O caminho pode ser longo, mas é preciso caminhar. Não é fácil construir o caminho da vida. Não é fácil construir o próprio caminho. Muito mais simples é ignorar a caminhada, acomodar-se, ficar na beira da estrada, nada mais simples do que ficar e esperar a vida passar e acontecer, simplesmente parar no caminho é passar pela vida sem viver. O caminho é difícil, vamos derrubar as barreiras que vão surgindo. O caminho é perigoso, é preciso ter coragem para correr riscos. Nós mesmos devemos construir o caminho... 

Ele correu riscos. Foi um guerreiro justo e incansável. 

Com sua morte ficou um vazio. Na vida de muita gente, na própria história. Um guerreiro não é um personagem comum. Mesmo morto continuará a sua história. Os guerreiros fazem a história. Os normais, simplesmente morrem. 

Deixou ensinamentos que servem de referência para todos nós. 

Para sempre a história de Jupi guardará o nome desse guerreiro do povo. 
  
Está gravado em minha memória o tempo que convivi com ele. 

Sou admirador e reconhecedor de sua grandeza, tanto como homem público, quanto como ser humano. Tenho orgulho e agradeço a Deus por ter o privilégio de ser seu sobrinho.

Obrigado meu tio, pelo imensurável aprendizado de vida.

SAMUEL SALGADO
Março de 2013
Meu tio era um homem de conversa envolvente. Visionário, realista, solidário e extremamente humano. Impressionava. Era diferenciado. Parecia entender sobre cada pessoa. Por idealismo, era comprometido e implacável na defesa intransigente dos interesses da cidade que escolheu viver (Jupi).

Nunca alimentou ódios nem mágoas. Relacionava-se bem até com os mais ferrenhos adversários. Tinha uma mente política ativa e com muita perspicácia.  

27 de outubro de 1971. Nesta data, sem nenhuma conotação política, um ser violento e covarde tirou a vida do meu tio, um jovem de apenas 33 anos.

Morreu, deixando sonhos, esperanças...

O tempo passa. Sou viajante do tempo. Vou e volto. Sempre!

É... Lá se vão 41 anos de saudades e recordações.

No início da década de 60, o Brasil atravessava uma profunda agitação política. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, assumiu seu vice, João Goulart (Jango), um homem de convicções esquerdistas para a então política brasileira.

Faziam parte dos planos de Jango reduzir as desigualdades sociais brasileiras. Entre estas, as reformas bancária, eleitoral, universitária e agrária.

O perfil de Jango preocupou as elites, que temiam uma alteração social que ameaçasse seu poder econômico. Por esta razão, tomaram decisões que enfraqueceram o presidente. A mais famosa foi implantar o parlamentarismo, que, em 1961 e 1962, atribuiu funções do presidente ao Congresso, então dominado por representantes das elites. O regime presidencialista foi restabelecido em 1963 após um plebiscito.

A crise econômica e a instabilidade política avançavam no país. Jango propôs as reformas constitucionais que aceleraram a reação das elites, criando as condições para o golpe de 64.

Março de 1964. Aconteceu o estopim do golpe militar, quando Jango, após um discurso inflamado no Rio de Janeiro, determinou a reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo.

Imediatamente, a elite reagiu.

No dia 31 de março os militares iniciam a tomada do poder. No dia 2 de abril, Ranieri Mazilli assumiu a presidência interinamente. Dois dias depois, João Goulart se exilou no Uruguai.

Em 9 de abril, foi editado o AI-1 (Ato Institucional número 1), que depôs o presidente e iniciou as cassações dos mandatos políticos. No mesmo mês, o marechal Castello Branco foi empossado presidente com um mandato até 24 de janeiro de 1967.

A ditadura militar de 1964 criou dois partidos: ARENA (Aliança Renovadora Nacional), da situação, e MDB (Movimento Democrático Brasileiro), da oposição. Os militares convenceram alguns políticos a se filiarem ao MDB. Meu tio, Zé Cavalcanti, entrou no MDB espontaneamente.

Embora a repressão política tenha se iniciado em abril de 1964, tornou-se mais evidente após a edição do Ato Institucional n° 5, em 1968, ao suprimir os direitos de cidadania, dando poderes totalitários ao Sistema que governava o país. Nessa época um simples simpatizante do socialismo era chamado de subversivo. Época de prisões, torturas e mortes. Impuseram o silêncio de toda e qualquer forma, objetivando prevalecer seus interesses. Tempos de muito sofrimento e angústia. Não há exagero no que estou relatando. Nenhum. Tudo isso representa a expressão da realidade daquele período sombrio. Tudo era repressão. Ausência total de liberdade. Nos anos 60 e 70 a desesperança tomou conta de muitos.

47 anos após a instalação do golpe militar, é possível compreender a verdadeira importância da postura de meu tio diante dos desafios que enfrentou numa luta incansável ao lado de Arraes, Brizola e tantos outros em busca do bem comum como horizonte a ser perseguido.

Desde o primeiro instante, de forma aguerrida e corajosa, Zé Cavalcanti, levantou a voz contra os excessos do regime dos generais.

Ele era dos debates onde fosse possível. Nas ruas, nos sítios estava sempre apoiando os movimentos de resistência ao golpe militar.

Por isso, foi preso.

Na tortura física, a dor vai além dos limites da força humana. Com o tempo se recupera. Já o trauma psicológico, se carrega para o resto da vida.

Sua atuação em defesa da reconstrução democrática fez dele um patrimônio político do Agreste Meridional de Pernambuco.

Ele ajudou a construir a democracia que aí está consolidada.

Homem de coragem, decidido. Sempre enfrentou os poderosos de maneira desassombrada.

Recordo-me de um fato significativo. Meu tio era candidato a Prefeito de Jupi e num comício no Centro de Jucati (Distrito de Jupi), enfrentou policiais que foram proibir aquele ato público.

Numa fração de segundos, percebeu que de sua atitude dependia o futuro daquela caminhada política. Com determinação disse: “Subam no palanque e venham tomar o microfone”. Os soldados entreolharam-se e desorientados se retiraram. Com esta atitude, a força do ideal derrotou o poder da força.

Zé Cavalcanti lutou pela democracia e fez dela uma razão de viver. Daí, os depoimentos a seguir:

Josevalda (filha): Meu pai! O maior orgulho da minha vida!

Júnior, o seu avô (meu pai!), José Cavalcanti de Albuquerque foi um homem que viveu no auge da ditadura militar e, como defensor que era do direito, da verdade, da dignidade, pelo contexto da época, foi um preso político, por defender a mesma causa que Miguel Arraes, sendo um dos seus aliados. Mas ele acreditava, sonhava com a possibilidade de, um dia, cada cidadão poder exercer a sua cidadania com liberdade, participação e dignidade! Você acredita nisso... E eu sinto orgulho por você ser assim! Não importa que o poder pelo poder, que o domínio cerque tanto as pessoas (pq, pra isso, elas são atendidas e presas pelo q significa a sua sobrevivência, e eu culpo o capitalismo!), que ofusque a possibilidade de liberdade, de uma luta livre por dias melhores e mais iguais... Não importa. Continue acreditando, sonhando, ajudando!... Continue respeitando quem tem uma visão diferente de tudo isso (cada um tem seus motivos!), até pq vc defende o direito de ser de cada um, não é? Alguns irão criticar e dar vários nomes a essa luta, não importa! Outros irão aplaudir de forma tímida, pq podem depender de alguma forma de quem detém o poder e não permite essa liberdade... outros irão lutar junto... É a vida! Mas, que haja o respeito às diferenças, às limitações, às escolhas!... Deus o abençoe, meu filho, nesse seu jeito meigo e amigo de ser, nessa sua busca do crescimento, antes de tudo, interior!

Júnior (filho de Josevalda): José Cavalcanti de Albuquerque. Um homem movido pelas duas mãos e o sentimento do mundo.

Izabel Lima (amiga da família): Alguém precisa escrever sobre ELE. Os jovens jupienses merecem conhecer sua história.

Evilasio Pereira (amigo da família): Ele foi um homem de grande importância na política de Jupi!

Viver é caminhar. A vida é um longo caminho a percorrer. A gente faz o caminho caminhando. Neste caminhar se entrelaçam outros caminhos, com muitos outros caminhantes. Este é o nosso viver. O caminho pode ser cheio de encantos, surpresas, dificuldades e riscos. O caminho pode ser longo, mas é preciso caminhar. Não é fácil construir o caminho da vida. Não é fácil construir o próprio caminho. Muito mais simples é ignorar a caminhada, acomodar-se, ficar na beira da estrada, nada mais simples do que ficar e esperar a vida passar e acontecer, simplesmente parar no caminho é passar pela vida sem viver. O caminho é difícil, vamos derrubar as barreiras que vão surgindo. O caminho é perigoso, é preciso ter coragem para correr riscos. Nós mesmos devemos construir o caminho...

Ele correu riscos. Foi um guerreiro justo e incansável.

Com sua morte ficou um vazio. Na vida de muita gente, na própria história. Um guerreiro não é um personagem comum. Mesmo morto continuará a sua história. Os guerreiros fazem a história. Os normais, simplesmente morrem.

Deixou ensinamentos que servem de referência para todos nós.

Para sempre a história de Jupi guardará o nome desse guerreiro do povo.  

Está gravado em minha memória o tempo que convivi com ele.

Sou admirador e reconhecedor de sua grandeza, tanto como homem público, quanto como ser humano. Tenho orgulho e agradeço a Deus por ter o privilégio de ser seu sobrinho.

Obrigado meu tio, pelo imensurável aprendizado de vida.

SAMUEL SALGADO

Março de 2013

Samuel Salgado é Ex prefeito de Angelim, Professor do IFPE/Campus Belo Jardim, é Mestre e Doutorando.





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