Postado por eduguim
Deve inquietar a cada cidadão que esteja se produzindo no Brasil uma
crise institucional envolvendo os Poderes Legislativo e Judiciário.
Enquanto este texto se escreve, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
ainda não concluiu deliberação sobre perda de mandatos eletivos por réus
do julgamento da Ação Penal 470, vulgo julgamento do mensalão.Todavia, o
resultado, seja qual for, não irá alterar uma situação que amargura o
país.
A divergência entre os ministros do Supremo no que diz respeito
àquela Corte entrar ou não em choque com a Câmara dos Deputados ao
eventualmente usurpar desta o direito de cassar – ou não – os mandatos
dos condenados naquela Ação Penal é uma divergência que só existe porque
está em curso no Brasil um julgamento de exceção, do que é prova o fato
de que os juízes que o conduzem não se entendem sobre como aplicar
penas ou sequer se têm a prerrogativa de determinar a interrupção
imediata de um mandato legislativo.
É vergonhoso que após 500 anos de história este país tenha
experiência zero em punir políticos acusados de corrupção, pois tal
ignorância faz lembrar como o Poder Judiciário brasileiro sempre foi
omisso em sua missão constitucional. Mas não é só. Ao vermos como o
Judiciário nem sabe como é condenar membros do legislativo até o fim –
com cassação, prisão e tudo mais – porque nunca condenou nenhum, somos
forçados a refletir sobre por que aquela Corte só começou a condenar
agora.
Até hoje, os defensores do tipo de julgamento que se está fazendo no
Supremo Tribunal Federal não deram uma só explicação para o ineditismo
das decisões que ali estão sendo tomadas. Assim, seja qual for a
decisão, será uma má decisão.
O Código Penal entrega ao Judiciário a decisão sobre cassação de
mandatos legislativos e a Constituição entrega ao Legislativo. Como o
primeiro texto legal só pode existir no âmbito do segundo, se a decisão
do STF for desfavorável ao que a Presidência da Câmara dos Deputados
advoga para si, será uma decisão inconstitucional.
Todavia, o Judiciário não tem como obrigar a Câmara a cassar ninguém,
assim como esta não tem como obrigar aquele a não cassar. Mas como a
cassação de um mandato legislativo precisa ser oficializada pela Casa
Legislativa, ela pode não cumprir a decisão judicial, o que
desembocaria, em tese, na situação de um membro efetivo do Legislativo
cumprir pena de privação de liberdade.
Ter o detentor de um mandato legislativo atrás das grades, acima de
tudo mandaria ao mundo um recado muito claro, de que um dos Poderes da
República, o Poder Legislativo, vê defeitos insanáveis na decisão do
Poder Judiciário que condenou aqueles parlamentares.
O julgamento do mensalão, pois, a despeito da decisão do STF sobre
competência para cassar mandatos legislativos, ficará tisnado pelas
demonstrações de inexperiência de seus condutores em tomar decisões que
deveriam ser elementares numa democracia, pois ninguém irá acreditar em
que jamais um parlamentar brasileiro acusado de crime foi merecedor de
uma sentença de prisão e de perda do mandato, o que torna claro o
caráter de exceção desse julgamento vergonhoso.
E para que não digam que não falei de flores, se considero
inaceitável que um condenado pela Justiça mantenha mandato popular de
qualquer espécie, tampouco é aceitável que um dos poderes da República
se oponha a uma determinação de outro e essa discordância fique por
isso mesmo, pois, assim, teríamos que considerar que um Poder se
sobrepõe ao outro, o que seria a própria negação do conceito de
democracia e República.
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