Erros (ou incompetência) no setor elétrico que custam caro
Heitor
Scalambrini Costa
Professor
da Universidade Federal de Pernambuco
A população brasileira tem sofrido agruras sem fim devido
às falhas recorrentes no setor elétrico, com as interrupções no fornecimento de
energia. Tal situação já faz parte do calendário nacional, e têm gerado junto à
população em geral, e em setores da economia, a insatisfação crônica, a falta
de credibilidade, e a constatação de uma vulnerabilidade inaceitável neste
setor essencial e estratégico para o país.
Além desta situação de instabilidade persistente, temos
ainda que arcar com o alto custo da tarifa elétrica, que assola os
consumidores. A tentativa de redução de tarifas, através de uma ação mal
conduzida e autoritária (comum às decisões do setor), restou apenas à
propaganda governamental com toda pompa e esplendor produzido pelo marketing
político, sem os resultados concretos anunciados.
Não caberia neste singelo artigo de opinião, relatar as
inúmeras “atrapalhadas” comandadas pelos sábios e “experts” de um setor, que se
caracteriza pela falta de transparência.
Para citar apenas três situações esdrúxulas causadas
pelos erros e/ou incompetência, vamos recordar atrasos na construção das linhas
elétricas que impediu a conexão de 622 MW de aerogeradores instalados na Bahia,
Rio Grande do Norte e Ceará, e que desde o término das obras, em meados de
2012, ainda não estão totalmente conectados a linha de transmissão da Companhia
Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Um desperdício, que deixa assim de
injetar energia no Sistema Integrado Nacional (SIN).
Semelhante situação ocorreu em uma obra como Jirau e
Santo Antônio, duas das maiores usinas do país, e que juntas, terão capacidade
instalada de 6.400 MW. Neste caso os planejadores e projetistas do Ministério
de Minas e Energia não levaram em conta no edital de licitação aspectos
importantes da conexão da energia gerada nas hidroelétricas com as linhas de
transmissão.
E finalmente, o atraso das obras da Amazonas Energia,
distribuidora do grupo Eletrobrás, que impede que a linha de transmissão
Tucuruí-Macapá-Manaus, com seus 1.800 km, e investimentos de R$ 3,5 bilhões, seja
plenamente utilizada. Oficialmente, a conexão com o SIN ocorreu em julho de
2013 com a conclusão da linha. Mas com o atraso das obras da distribuidora, a
região Norte continuará a ser abastecida pelas 27 termoelétricas que funcionam
com combustíveis fósseis.
No Nordeste, a falta de linhas de transmissão e
subestações em três estados impediu que a energia elétrica produzida pelo vento
chegasse à casa de milhares de brasileiros. Desde junho de 2012, 26 parques
eólicos estão prontos para produzir energia, mas ela não é escoada por falta de
conexão até as linhas de transmissão. Calcula-se que, caso estivessem
conectados, produziriam o suficiente para abastecer por mês mais do que a
população de Salvador (3 milhões de pessoas).
Como entregaram os parques eólicos no prazo, os
investidores recebem “religiosamente” do governo federal o que está previsto
nos contratos, mesmo sem gerarem energia alguma. Em nove meses (setembro
2012/maio de 2013), foram pagos aproximadamente R$ 263 milhões aos
empreendedores (em torno de 30 milhões de reais/mês). A Chesf é a responsável
pelas linhas para interligar os parques eólicos a rede elétrica nacional, pois
ganhou licitação para construção das mesmas em 2010, e não cumpriu os prazos.
Foi multada em mais de R$ 8 milhões, e nenhum de seus diretores foi demitido.
Atualmente, ainda persiste esta situação pelo menos em
dois complexos eólicos, um na Bahia e outro no Rio Grande do Norte, que estão
prontos para operar desde julho do ano passado, mas não geram energia por conta
que as suas ligações com o sistema de transmissão não estarem concluídas. O
governo mudou recentemente as regras, e exige agora nos leilões, que os
empreendedores garantam que os parques eólicos estejam conectados ao SIN ao
término da obra.
Outra situação bizarra foi recentemente revelada pelo
jornal Valor Econômico. Um erro inacreditável cometido na construção das usinas
de Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira (RO), que onerou a obra em valores
estimados em R$ 1,3 bilhões de reais (valor que conflita com dados oficiais que
menciona em “apenas” 100 milhões de reais). Também neste caso foi cometido um “esquecimento”
na conexão das usinas para o escoamento da energia através das linhas de
transmissão.
Este caso de tão surrealista, merece ser relatado. Em
agosto de 2008, o governo federal licitou duas das mais extensas linhas de
transmissão de energia do Brasil, para ligar as usinas próximas de Porto Velho
(RO) até São Carlos (município no interior de São Paulo), uma distância de 2.375 km. No momento da
licitação das linhas de transmissão as duas usinas já estavam em construção.
Desde 2010 foi
identificada a necessidade de instalação do GSC (Generator Station
Coordinators), que permite o envio de informações necessárias ao controle
mestre do sistema operacional das usinas, quanto ao número de máquinas/turbinas
em operação. Este é o equipamento que faz as linhas de transmissão e as usinas
se comunicarem.
Mesmo descoberto apenas no final de 2010, o problema
somente foi registrado em um documento oficial em junho de 2013, durante uma
das reuniões mensais do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão
governamental encarregado do monitoramento permanente do setor elétrico
nacional. A ausência de tal sistema criou uma restrição operacional inibindo
que a energia gerada possa ser transmitida na totalidade para a rede elétrica.
A falta planejamento e coordenação do governo com os
demais órgãos, que cada vez mais se multiplicam no setor elétrico, também é
claramente demonstrado em outra obra da região Norte. A construção do “linhão”
(também chamada às linhas de transmissão) Tucuruí-Macapá-Manaus teve como objetivo
interligar a maior parte da Região Norte ao sistema elétrico nacional. Obra
grandiosa, e que demorou 5 anos para ser concluída (3 anos a mais do que o
previsto), com suas 3.351 torres de 295 metros de altura
(equivalente a um prédio com 100 andares) em plena selva Amazônica. Mesmo
finalizada, somente 10% de sua capacidade esta sendo utilizada.
Obras que ficaram sob responsabilidade da Amazonas
Energia (do grupo Eletrobrás), como subestações (das cinco novas previstas, só
uma foi concluída), de quatro linhas menores de transmissão projetadas, duas
ainda estão em obras, impedindo assim a plena utilização do sistema. Considerando
o atraso de 3 anos na construção do “linhão”, ainda assim, obras menores não
chegaram ao seu término. Caso estivessem prontas como previstas, permitiriam
abastecer a região com energia gerada pelas hidrelétricas. O que não aconteceu,
pois ainda as 27 térmicas existentes naquele território continuarão a fornecer
eletricidade a partir dos combustíveis fosseis. Até o ano passado, os recursos
para cobrir o custo das térmicas na região, considerada como sistema isolado,
eram cobrados na conta de luz de todos os brasileiros e depositados na Conta de
Consumo de Combustíveis (CCC), que foi absorvida no começo de 2013,por outro
encargo Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Portanto, a prometida economia de R$ 2 bilhões, pelo fato
de não mais ter que usar as usinas térmicas permanentemente, vai ficar para
depois. Para aliviar uma incidência maior do custo da energia para os consumidores,
o governo afirma que priorizará o funcionamento das 8 usinas a gás natural,
cujo custo da energia gerada é mais barata. As 19 outras usinas térmicas movidas
a combustíveis fosseis (óleo diesel e óleo combustível) são mais caras, chegando
a custar R$ 1 mil o MWh.
Obviamente o prazo da construção da linha de transmissão,
assim como a instalação de equipamentos, e outras obras menores necessários à
conexão entre a geração e a transmissão, teriam que estar sincronizadas. Esses
contratos de construção têm que estar fechado com multas, com compromisso, com
responsabilidade, de tal forma que seja viável a execução da linha naquele
prazo. É inadmissível que em obras estruturais desta magnitude, fatos assim
ocorram.
Situações descritas acima não somente tem levado a
desperdícios de recursos financeiros bancados pelo tesouro nacional (dinheiro
de todos), mas também levado que usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis,
principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, sejam
autorizadas a funcionar no Norte e Nordeste, aumentando substancialmente as
emissões de gases.
O limite da incompetência das autoridades responsáveis
pelo setor elétrico há muito passou da conta.