Luiz Flávio Gomes
Brasil 247
Para auxiliar sua resposta, vamos repassar o significado da locução
"bode expiatório", que abarca: (a) alguém que é escolhido para responder
por algo que não fez (e no final acaba inocentado); (b) um inocente que
carrega o pecado de todos e é sacrificado por isso; (c) os culpados
sobre os quais descarrega-se a culpa de todos, que ficam purificados.
Vejamos:
(a) é bode expiatório quem é selecionado (escolhido) para responder por
um fato que não praticou (ou não praticou diretamente). Zombam,
maltratam, repudiam, insultam ou humilham essa pessoa (ou grupo de
pessoas), inclusive e, sobretudo, por meios midiáticos, até que sua
inocência vem a ser reconhecida.
De acordo com esse primeiro sentido não há dúvida de que Luiz Gushiken,
por exemplo, cumpriu, no mensalão, o papel de bode expiatório inocente
(que acabou sendo efetivamente inocentado). O jornalista Washington
Araújo bem resumiu essa escabrosa injustiça, sobretudo midiática: "...
para uma imprensa ávida de sangue e sempre disposta a terçar armas para
manter em evidência seu escândalo da hora, não restou nem a obrigação
ética de formular ao "condenado inocente" um reles pedido de desculpas. O
mau jornalismo principia na confusão mental entre liberdade de
expressão e libertinagem de imprensa, e não resiste à tentação maior de
vestir a toga e, a seu bel-prazer, acusar, julgar, condenar. Não passam,
na verdade, de semiprofissionais do jornalismo. Infames, biltres e, em
uma palavra, mequetrefes." (Fonte: Carta Maior)
(b) bode expiatório, em seu significado original, advém de um ritual
religioso do antigo povo de Israel, que consistia no seguinte: para
purificar a nação, dentre dois bodes, um era sacrificado pelo sacerdote,
junto com um touro, como oferenda a Deus. O outro (o "bode expiatório")
era sacrificado para descarregar (no inocente) todas as culpas do povo
judeu. Era entregue ao Diabo e abandonado no deserto, mas acompanhado de
insultos e pedradas. Ele carregava todos os pecados da comunidade, ou
seja, carregava todos os desvios e malfeitos da população.
Jesus Cristo, de acordo com as escrituras, foi um "bode expiatório"
nesse segundo sentido (inocente, que carrega a culpa ou o pecado de
todos).
(c) a esses dois significados nós poderíamos agregar um terceiro: é bode
expiatório aquele que, embora não inocente, cumpre o papel de pagar as
culpas da grande maioria, livrando-a (ao menos momentaneamente) de
represálias ou sanções. Os bodes expiatórios escolhidos são os
criminosos, os vândalos, os maus, enquanto os outros larápios (que
desfrutam da festa da vingança) entram na lista dos meros ilegalismos
impunes (como dizia Foucault).
A culpa de todo mundo é canalizada midiaticamente sobre os ombros de um
ou de alguns culpados. Trata-se de um ritual de purificação dos pecados
dos demais ou da própria mídia. Nesse sentido, todos os réus culpados
pelos seus crimes, na medida em que são devidamente selecionados, são
bodes expiatórios porque, embora culpados, acabam por fazer parte de uma
ritualização de exculpação nacional (dos outros). Descarrega-se nesse
bode expiatório a culpa de todos, gerando um tipo de purificação (da
alma, da culpa e dos pecados dos demais).
Salvo raríssimas exceções, não há partido político no Brasil (pela sua
tradição corruptiva secular e estrutural, que envolve toda a oligarquia
composta pelo Estado, poderes econômicos e alguns políticos) que não
tenha feito (ou que não fará) o que é imputado aos réus do mensalão.
Eles, no entanto, são os "bodes expiatórios" do momento. Por isso, toda
atenção neles.
Pagarão pelas suas culpas (justas e merecidas, diz o discurso penal;
dirão a mesma coisa as sentenças dos Ministros), mas, como todos os
bodes expiatórios, cumprem um outro papel: o de purificação da alma dos
demais políticos, banqueiros ou empresários corruptos, que já fizeram ou
farão a mesma coisa e que só aguardam a vez para ("de alma limpa,
purificada") cumprirem o mesmo papel (desde que tenha chegado o momento
de se transformarem nos novos bodes expiatórios midiáticos).