Leio no site Agência Carta Maior que durante recente “seminário sobre políticas de telecomunicações” o ministro Paulo Bernardo teria se “alinhado a empresas de radiodifusão, para as quais a única forma de controle deve ser o controle remoto”.
Segundo a matéria, o ministro das Comunicações teria “reconhecido” que o “setor de radiodifusão” seria “capaz de fazer pressão suficiente para intimidar o governo” de forma a que desista de propor ao Congresso um marco regulatório para as comunicações.
Segundo a matéria, Paulo Bernardo acha que a grande mídia é capaz de chantagear o governo por ter “um peso muito grande no Brasil”, já que seus serviços seriam “extremamente populares”.
Normalmente, teria digerido essa declaração como parte do processo de revelação ao país de que quem ganhou a eleição presidencial no ano retrasado foi uma aliança aparentemente progressista, mas que, na verdade, é bem mais conservadora do que se suponha.
Contudo, coincidentemente li isso logo após assistir, pela terceira vez, ao mais importante documentário sobre a revolução progressista que eclodiu nas Américas no limiar do novo século e que desde então vem se aprofundando.
O documentário em questão é do premiado cineasta norte-americano Oliver Stone, ganhador de dois Oscars de melhor diretor com os filmes Platoon e Born on the Fourth of July (Nascido em quatro de julho).
South of the Border (Ao Sul da Fronteira) estreou na 66ª Edição do Festival de Veneza em 7 de setembro de 2009, mas não disputou o Leão de Ouro. A partir do ano passado começou a se espalhar pela internet, já que não conseguiu espaço nos circuitos comerciais.
Stone e sua equipe viajaram do Caribe até o sul da Cordilheira dos Andes em busca de uma explicação para a guinada à esquerda na América Latina que terminou por eleger presidentes dessa ideologia em praticamente toda a América do Sul e em parte da América Central.
O cineasta entrevistou Hugo Chávez, Evo Morales, Fernando Lugo, Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor e Cristina Kirchner, Rafael Correa e Raúl Castro. O historiador britânico de origem paquistanesa Tariq Ali definiu o projeto como “um road movie político”.
O grande mérito da obra é o de não explicar apenas como foram eleitos de modo inédito na região esses políticos que os norte-americanos jamais acreditaram que chegariam ao poder, mas também por que eles emergiram como forças políticas extremamente poderosas.
O documentário explica que a ascensão dessas lideranças políticas de esquerda foi subproduto das políticas econômicas que a região adotou durante décadas sob inspiração norte-americana via instrumentos como o Fundo Monetário Internacional, por exemplo.
Imagino que o ministro Paulo Bernardo não tenha assistido Ao Sul da Fronteira. Se tivesse assistido, jamais diria que os impérios dos barões da mídia são populares. O documentário mostra que, bem diferente disso, estão se tornando cada vez mais impopulares.
Chávez, Morales, Lula, Kirchner, Correa ou Castro, atualmente, são muito mais populares do que a mídia que o ministro teme. Não é por outra razão que se elegeram, reelegeram-se e, alguns, ainda elegeram seus sucessores CONTRA a “popularidade” da mídia conservadora.
A inflexão à direita do governo do Brasil, governo esse que tem um ministro que parece desconhecer quantos líderes políticos vêm desafiando a mídia, coaduna-se com a frustração da aposta que Stone fazia em um Obama que chegava à cena naquele ano.
O ministro, caso tenha dito realmente essas coisas – pode ter sido mal interpretado –, parou no século passado, em um tempo em que a mídia ainda detinha poder de fazer o que Ao Sul da Fronteira mostra que não consegue mais, ao menos impunemente.
postado no Blog da Cidadania